O Nobel de Literatura Kazuo Ishiguro me impressionou desde “The Buried Giant”; quando ele lançou “Klara and the Sun”, há exatamente há um ano, passou a frequentar minha lista de desejos (que só aumenta todo dia). Pois semana passada vi uma pessoa vendendo um usado por €5 (na livraria custa €20) e não perdi a chance!
Um livro pra ficar na memória entre os mais queridos…
Klara é uma inteligência artificial instalada em um robô humanoide chamado AF (deduzo que sejam as iniciais de “Artificial Friend”) e foi concebida para ser “amiga” de crianças e pré-adolescentes. Cada unidade desenvolve uma personalidade própria, resultado do algoritmo e do repertório construído pelas experiências individuais.
O interessante é que a história é narrada pela própria Klara e começa quando ela está exposta numa loja. A gerente, uma mulher inteligente e empática, já reparou; Klara é extremamente observadora e tem muita sensibilidade.
Ávida por aprender, quando chega a sua vez de ir para a vitrine, não perde a chance de observar o mundo que lhe é apresentado: uma rua cheia de trânsito e pessoas, o sol que se esconde atrás de um prédio alto, do outro lado; a chaminé de uma fábrica que joga fumaça no ar e embaça a visão do sol; um casal atravessando o sinal; e até o desenrolar da história de um mendigo e seu cachorro que moram na esquina.
Klara conversa com seus colegas robôs, mas nenhum parece tão curioso ou interessado como ela. Até que um dia, uma menina a escolhe para ser sua amiga. E, depois de um tempo, a mãe finalmente a compra e a leva para a casa.
Esse ritual de espera lembrou-me os antigos romances, quando a noiva anseia pelo dia do casamento, quando toda a sua vida vai mudar; inocentes, nenhuma das mocinhas têm ideia do que está por vir.
Pois a menina é doente e tem um vizinho da sua idade que também é bastante solitário (eles moram num bairro bem afastado). A mãe e a empregada, que vivem na casa com ela, são educadas e gentis, mas não têm muita certeza sobre como tratar Klara, uma vez que ela não é uma pessoa, apesar de se comportar como uma.
Aliás, minto. Klara não se comporta como uma pessoa (e nem poderia). Ela tem o que se poderia chamar de sentimentos, mas nunca se deixa ofender. É impressionante como absolutamente todas as suas experiências e interações sempre buscam o aprendizado, o entendimento. O objetivo maior dela é compreender os humanos (coitada!) para ser a melhor amiga possível.
Aqui me lembrei de uma frase da Dra. Susan Calvin, a psicóloga de robôs dos livros de Isaac Asimov. Quando perguntada se os robôs são diferentes mentalmente dos humanos, ela responde sem titubear: “São mundos completamente distintos. Robôs são essencialmente decentes.”
Há um projeto secreto (e bem discutível) da mãe da menina; há passeios, uma festa; e há também conflitos.
Mas o que me deixou mais encantada foi que Klara, tentando replicar o modelo mental dos humanos, busca sempre uma explicação lógica para os acontecimentos. Não conseguindo, ela inventa um Deus, exatamente como os humanos fazem. Só que, como é movida a energia solar, para ela, Deus é o Sol.
Há a alegoria de um templo (onde, do ponto de vista dela, o sol se põe), preces e até promessas. Klara é pura na mais ampla acepção da palavra, e só quer o bem da sua humana.
Ishiguro consegue traduzir essa ideia com muita poesia e sensibilidade. Adorei. Muito mesmo.
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