Essa foi a maior supresa literária do ano; sem brincadeira!
Quando peguei “Cold People” (Tradução livre: “Gente fria”), de Tom Rob Smith, o que me chamou atenção foi a capa minimalista belíssima (já expliquei; sou dessas… rs).
Estava na seção de livros usados de uma livraria especializada em ficção científica que costumo frequentar aqui em Berlim. Sempre tem coisas boas por lá!
Eu nunca tinha ouvido falar nesse autor, mas pelo que pesquisei, é um escritor e roteirista famoso e já tem grandes sucessos no mercado, sendo o mais conhecido, a trilogia que começa com “Criança 44”. Até onde sei, “Cold People” é a primeira incursão dele na ficção científica. O que dizer? Já ansiosa esperando os próximos!
Mas vamos à história.
Liza vem de uma família americana bem-sucedida e muito unida; estudando medicina aos 22 anos, ela está com os pais e a irmã passeando pela Europa. Quando chega a Lisboa, quase no final da viagem, ela conhece um barqueiro que faz passeios com turistas. Os dois são de mundos muito diferentes, e, apesar de ter rolado uma energia especial, acaba não passando muito disso.
Os dois saem para passear de barco e Liza tem que correr para não perder a hora do jantar no hotel, mas o inesperado (e põe inesperado nisso) acontece: alienígenas cobrem o céu com naves maravilhosas e semi transparentes e dão o seguinte recado em todos os meios de comunicação disponíveis: a humanidade tem 30 dias para chegar à Antártida, único continente onde será permitida a sua existência. No resto do planeta, os humanos deixarão de existir.
Imagina o caos que se estabelece no mundo; governos confiscam aviões e navios — começam a selecionar refugiados usando critérios diversos em cada país. Políticos tentam tirar vantagem e incluir suas famílias.
No início, os pais de Liza são muito objetivos e tentam se organizar para voltar para casa. Mas quando se dão conta que não haverá mais casa nem nada do seu passado (nessa hora também levei um baque; você já pensou, não poder voltar?), ficam tão chocados que deixam a filha tomar as rédeas. É quando o rapaz (Atto, o nome dele) aparece oferecendo ajuda para fugir nos barcos pesqueiros de sua família.
É claro que não dá para chegar à Antártida numa pequena embarcação superlotada; no caminho eles encontram um cargueiro ocupado por um movimento humanitário e podem viajar até a Antártida, desde que cumpram critérios específicos: só podem embarcar pessoas de até 40 anos e muito saudáveis, pois a probabilidade de morrer na viagem ou ao chegar lá é muito alta — só os muito fortes conseguirão sobreviver em condições tão adversas (o agravante é que isso acontece no inverno do hemisfério sul). Crianças pequenas também não são admitidas pelo mesmo motivo.
Bom, nessa, os pais de Liza e Atto já tiveram que ficar. O casal empreende a viagem e consegue chegar, junto com gente do mundo inteiro. Todos os governos tentam levar cientistas, atletas, soldados e gente considerada importante por critérios aleatórios.
A humanidade, de quase 8 bilhões de pessoas, foi reduzida a uns poucos milhões, espalhados em 4 cidades no continente antártico. A principal delas é McMurdo, onde já existiam bases de pesquisa internacionais desde séculos anteriores. Havia uma infraestrutura básica de laboratórios e ela passou a ser o centro científico e de poder.
As outras três cidades ficam ao longo de uma península e de uma baía. Elas tem características distintas, como as cidades em geral têm. O autor faz até uma analogia com cidades alemãs; Trinity Town tem o clima menos rigoroso, então o povo de lá está mais preocupado com a saúde física e mental, descobrindo remédios naturais no oceano, bem good vibes mesmo, como as termas no interior da Alemanha.
New Town é a maior das três e fica na ponta da península; os habitantes lá estão preocupados a produzir comida, energia e coisas práticas para a sobrevivência; é como se fosse uma rival de McMurdo, mas mais voltada às coisas práticas e menos à pesquisa. O autor a compara com Frankfurt.
Hope Town é onde Liza e Atto vão se estabelecer. É uma cidade mais boemia, mais colorida, mais artística — como Berlim. Atto segue a carreira de pescador (mais do que nunca importantíssima) e Liza atende no hospital como médica. Todo mundo trabalha bastante, e é bem saudável (ninguém mais come porcaria e é obrigado a fazer muita atividade física). Todos vivem em relativa comunhão, colaborando em todas as coisas e muito próximos (até para não morrer de frio), vivendo em casas coletivas construídas a partir de restos de navios e aviões.
A questão é que os humanos não foram concebidos para viver nesse ambiente, e as mortes por hipotermia e mesmo depressão não param de acontecer. Além disso, vários dos recursos trazidos do “velho mundo”, como vitaminas, remédios e outras coisas que não dá para fabricar com as limitações de insumos e tecnologia locais, estão acabando. Vinte anos se passaram e as perspectivas não são boas.
Para tentar uma abordagem de solução a longo prazo, os pesquisadores de McMurdo usam os últimos supercomputadores disponíveis para tentar criar uma nova espécie adaptada ao frio usando engenharia genética. Esses novos seres são justamente os chamados “Cold People”.
No início eram algumas variações; mães se voluntariaram para os experimentos, entre elas, Liza, que tem uma filha mutante chamada Echo. Mas ao longo dos anos, os experimentos foram ficando mais radicais, já que o tempo estava passando rápido. Escrúpulos, ética, tudo foi deixado de lado em nome da sobrevivência da espécie, sob o comando de uma médica geneticista chinesa.
Há vários e interessantíssimos personagens, com personalidades bem construídas, e todas as dúvidas existenciais decorrentes do próprio contexto. A gente fica se perguntando à toda hora: o que eu faria numa situação dessas? Que decisões eu tomaria?
Olha, só posso dizer que foram três dias mergulhada nessa história que leva a gente para outro planeta, mesmo dentro do nosso. Recomento com estrelinhas!
Infelizmente não tem tradução ainda em português (foi lançado há poucos meses), mas quem quiser se arriscar no original em inglês, segue o link da Amazon do Brasil.
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