Esse mês vou ministrar um curso sobre um método de definição do DNA de empresas e não me canso de me surpreender como ainda se dá pouca atenção a um assunto tão importante. E não falo só das pequenas empresas não; falo das grandes também.
A identidade de uma empresa é sua essência, seu DNA. No caso de uma fusão ou aquisição, é imprescindível conhecer os atributos essenciais de todas as partes envolvidas. Quando alguns desses atributos se contradizem, significa que elas não são compatíveis e a transação está fadada ao fracasso.
Exemplos é o que não faltam, mas um que me marcou muito foi o da incensada marca de cosméticos The Body Shop, da lendária Anita Roddick. A The Body Shop foi a primeira empresa a se preocupar abertamente com o meio ambiente, a saúde das pessoas que trabalham na mata fornecendo as matérias primas naturais e a qualidade de vida dos funcionários. Foi também a primeira loja de cosméticos que não prometia milagres e cremes rejuvenescedores; Anita prometia apenas bem estar.
Sim, você está reconhecendo a ideia, não é? Bem, não sei qual é a história verdadeira, mas me parece que há uma clara inspiração da brasileira Natura na empresa de Anita (o que eu acho ótimo, o mundo só ganha com empresas assim).
Só que o conceito não surgiu num brainstorming de uma agência de propaganda ou foi uma grande sacada do pessoal de marketing nos idos de 1976. Simplesmente estava no DNA da fundadora. Anita era ativista dos direitos humanos das mais aguerridas; lutava também pela igualdade social, a preservação do meio ambiente e o consumo ético. Quando abriu a empresa, o objetivo era claro: a ex-hippie era agora casada, tinha dois filhos e precisava muito ganhar dinheiro. Mas, para uma pessoa (ou empresa) com princípios claros, esse dinheiro não poderia custar vidas de pessoas ou de animais.
A empresa foi um sucesso e o crescimento foi rápido; naquela época, ainda não se saía por aí mentindo sobre a sustentabilidade e a ética empresarial para ganhar pontos com os consumidores. Os selos verdes ainda não estavam na moda. Mas eis que as pessoas acreditaram e gostaram da ideia; a marca virou um ícone.
Pena que tanto sucesso acabou atrapalhando; Anita reconhece que errou quando resolveu abrir o capital para acionistas. A partir daí, ela perdeu o controle absoluto das decisões e o DNA da organização não foi mais respeitado. Doente (foi diagnosticada com Hepatite C, vindo a falecer alguns anos depois), acabou vendendo a The Body Shop para a gigante multinacional L’Oreal, justamente o extremo oposto de seu DNA. Até testes de cosméticos com animais eram prática comum na empresa compradora.
Essa foi uma triste história de uma operação genética que simplesmente destruiu o DNA da empresa menor, totalmente açambarcado pela empresa grande.
Hoje, a The Body Shop é uma rede de cosméticos como outra qualquer, sem personalidade, sem diferencial, sem respeito pelas suas origens, com uma identidade frágil e contraditória, envolvendo-ser em polêmicas o tempo todo. A marca não é nem uma sombra do que era, sobrevive graças ao poder e à força da multinacional que a mantém.
Uma pena que as empresas não se preocupem em analisar a compatibilidade genética antes de realizar uma operação tão importante, economizaria desgastes, tensões, desconfianças e, principalmente, dinheiro.
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ATUALIZAÇÃO: fiquei sabendo ontem, 9.6.2017, que a Natura comprou a Body Shop. Alívio. Agora sim, há salvação; fico feliz pela Anita Roddick e todos os seus clientes.
Ênio Padilha
Lígia.
Adoro quando você pega um fato que todos conhecem e… BANG!!! consegue iluminar uma questão que ninguém tinha percebido. Isso é muito bacana. E está no seu DNA de autora. Por isso eu visito seu blog todos os dias.
ligiafascioni
Aahahah…. e você tem DNA de crítico generoso. Adoro!!! Eehehehe…
Beijos 🙂
Janaina Cavalcante
Que facilidade que você tem de nos fazer entender coisas que passam pelos nossos olhos e não vemos. Aí vem você e fala com uma simplicidade e uma clareza ímpar. Adorei! Parabéns pelo texto!!
ligiafascioni
Puxa, muito obrigada! <3