Feitas para colar

Esses dias lembrei desse livro e tive que lê-lo novamente para fazer a resenha, pois acho que li quando foi lançado. Nem tinha mais o exemplar e achei outro no sebo.

Mas “Made to stick: why some ideas take hold and others come unstuck” (tradução livre: “Feitas para “colar”: porque algumas ideias pegam e outras não”), dos irmãos Chip e Dan Heath, vale a pena, pois é um clássico. 

Inclusive porque algumas dicas valem para UX (User Experience) Design, que é a área na qual estou me dedicando atualmente.

SOBRE IDEIAS

A grande pergunta que os autores fazem no início do livro é: algumas ideias são naturalmente mais interessantes que outras (e por isso as pessoas se lembram) ou dá para fazer qualquer ideia/história ser memorável? (Spoiler: a resposta é a segunda alternativa e o livro é sobre isso).

Por que as pessoas se lembram de lendas urbanas quando ainda eram crianças (lembra da loira do banheiro?) e se esquecem do que aprenderam sobre divisão celular na escola? Por que a galera presta mais atenção em fake news do que em notícias comuns (e verdadeiras)?

Para os irmãos Heath, uma ideia que “cola” significa uma ideia que foi entendida e lembrada; além disso, ela tem impacto. Pode mudar o comportamento ou opinião da audiência.

Nem toda ideia precisa colar; ou porque não é relevante, ou porque não faz muita diferença no comportamento ou opinião das pessoas. Mas quando a ideia precisa “colar”, é preciso dar um pouco de atenção para fazer isso acontecer. 

Os autores estudaram por décadas o tema e tentaram encontrar um padrão para as ideias mais memoráveis; eles citam algumas das lendas urbanas (que hoje a gente chama de fake news) mais famosas, como aquela que diz que a Muralha da China é a única construção humana que pode ser vista do espaço e aquela outra que diz que a gente só usa 10% do cérebro, por exemplo.

Eles também observaram ensinamentos e ditados populares como “onde há fumaça, há fogo”, que aparece em mais de 55 idiomas. E se perguntam por que as profecias de Nostradamus ainda são levadas a sério por tanta gente e porque remédios populares que não funcionam continuam sendo usados.

Eles concluíram 6 princípios comuns entre as “ideias que colam”:

  1. Simplicidade
  2. Surpresa
  3. Concretude
  4. Credibilidade
  5. Emoção
  6. Narrativa

Então vamos ao que interessa: explorar cada um dos princípios para colocar em prática as nossas ideias que a gente quer que “colem”.

1. SIMPLICIDADE

Nada de listas enormes de coisas importantes. Pense: se você um advogado e está defendendo o seu cliente no tribunal baseando-se em 10 pontos, mesmo que todos eles sejam muito relevantes, ao final da sua defesa, dificilmente alguém se lembrará de algum. 

É necessário priorizar e excluir. Simplificar nada mais é do que a arte de cortar, sintetizar, condensar.

O ideal é que a ideia tenha o formato de um provérbio; simples e profunda. Algo que caiba em apenas uma frase e que a pessoa não esqueça.

A questão é que não é tão simples como parece; primeiro a gente precisa encontrar o coração da mensagem, a coisa mais importante, a essência. Às vezes queremos dizer várias coisas, mas, nesse caso, o importante é priorizar.

Quando a gente coloca muitas informações na mensagem, acontece uma dispersão de ideias — e também o que se conhece pelo fenômeno da “paralisia da decisão”, que acontece quando a gente tem tantas escolhas que fica paralisado e não consegue decidir. É muito mais fácil escolher uma de duas ou três opções do que uma em 20 opções. 

Inclusive os mesmos autores têm até um outro livro que fala sobre isso com mais detalhes; é o “Decisive“, resenhado aqui também.

Outra dica com relação à simplicidade é facilitar a vida da pessoa que vai lembrar da informação. Por exemplo: você pode pedir para alguém memorizar as letras: JFAFISBKNA ou, usando as mesmas letras, apresentar a mesma informação como JFK NASA e FBI. Facilitou muito, né? Eis porque os americanos adoram acrônimos, que são aquelas siglas que formam palavras facilmente reconhecíveis.

Outra técnica interessante são as analogias generativas, que geram novas percepções, explicações e invenções. Por exemplo, a Disney chama seus funcionários de membros do elenco; sendo que eles não se candidatam a um emprego; fazem uma audição para um papel. Os visitantes não são clientes, são os convidados. Os trabalhos são chamados de performances e os uniformes, de fantasias. Isso muda a percepção tanto dos funcionários como dos clientes.

2. SURPRESA

Ninguém presta atenção numa história se já sabe como vai ser o final. Para manter o interesse, é necessário o inesperado; é preciso violar as expectativas. A surpresa aumenta o estado de alerta e o foco. Mas a surpresa por si não é suficiente; ela precisa gerar interesse e curiosidade.

O primeiro desafio da comunicação é chamar atenção; e o caminho mais básico de fazer isso é quebrando padrões e expectativas, como os comediantes fazem nas piadas, por exemplo.

Isso acontece porque nosso cérebro é projetado para identificar mudanças rapidamente. Mas tão crucial como chamar atenção é manter a atenção das pessoas.

Então, os autores mostram que para fazer uma ideia colar, é preciso trabalhar com duas emoções: a surpresa e o interesse.

Eles narram vários exemplos de propagandas, filmes e episódios da TV americana para ilustrar a importância do inesperado.

3. CONCRETUDE

Como fazer com que a ideia seja clara? Explicá-la em termos de ações humanas, percebidas como concretas pelos nossos sentidos. Por isso encher frases com palavras como declaração, sinergia, estratégia, visão, etc; não adianta; elas são abstratas, ambíguas e não têm significado algum para a maioria das pessoas.

Ideias que colam são cheias de imagens concretas, porque nossos cérebros lembram de coisas que afetam os nossos sentidos. 

Pode reparar que nos provérbios, a ideia abstrata é sempre ilustrada, para um melhor entendimento, como “mais vale um pássaro na mão do que dois voando”. Economiza um monte de palavras difíceis e as pessoas conseguem entender sem dificuldade. 

Isso acontece porque a gente consegue conectar emoções a coisas concretas; consequentemente, a mensagem fica mais memorável. Quer exemplos? Se eu falar bicicleta, você consegue facilmente imaginar uma e talvez até lembrar alguma situação onde você estava numa bicicleta ou viu uma. Se eu falar ética ou caráter, seu cérebro vai ter que fazer alguma ginástica para associar os significados.

4. CREDIBILIDADE

Como fazer as pessoas acreditarem nas ideias? Na maioria das vezes, a gente acredita porque nossos pais ou amigos acreditam, ou porque tivemos experiências análogas, ou porque as ideias estão alinhadas com nossa fé religiosa. Nós acreditamos porque confiamos nas autoridades: família, igreja,  Estado, professores, experiências pessoais, pessoas com títulos profissionais, etc

Se a ideia que temos a transmitir contradiz alguma dessas autoridades relevantes para a pessoa, dificilmente teremos sucesso na comunicação, pois a batalha é muito árdua, e, às vezes, muito desigual.

A propaganda usa dois tipos de autoridades para tentar facilitar as coisas: os especialistas indiscutíveis (tipo Oliver Sachs para falar de neurociência) e as celebridades (Michael Jordan falando que McDonald’s é uma delícia).

Mas existe outro recurso: a anti-autoridade. São pessoas que tornam públicas as suas experiências pessoais que têm a ver com a mensagem. Um dos exemplos mais famosos é de uma jovem mãe fumante americana que morreu praticamente em frente às câmeras enquanto compartilhava a sua jornada lutando contra um câncer de pulmão fatal. Testemunhos de quem é afetado pela campanha ou mudança de comportamento são bem eficientes se usados da maneira correta. 

Outro aspecto a se considerar é que, quanto mais detalhes a mensagem tiver, mas ela vai parecer crível. Os autores citam um estudo que simulava um julgamento com o mesmo número de argumentos prós e contra e mostraram que, o lado que acrescentava mais níveis de detalhes a esses argumentos, levava os jurados, porque eles acrescentavam mais credibilidade à narrativa.

5. EMOÇÕES

Como fazer as pessoas darem atenção para a sua ideia? Faça-as sentirem alguma coisa! Emoções são a chave. E olha que nem sempre elas precisam ser positivas; olha só a chave de boa parte das fake news que as pessoas espalham sem nem lê-las até o fim. Geralmente a chamada desperta raiva e indignação, que são sentimentos muito fortes. Novamente, detalhes aparentemente irrelevantes importam.

Aliás, quando a gente fala que detalhes importam, parece meio contraditório com o conceito de simplicidade. Mas é mais sobre onde é que esses detalhes vão entrar; se você definir uma hierarquia bem clara do que está dizendo, sobre quais pontos são mais importantes, os detalhes vêm para acrescentar em vez de confundir. É uma questão de organizar bem as informações para que elas tenham detalhes suficientes, mas continuem simples e claras.

6. NARRATIVA

O cérebro humano foi desenvolvido para gostar de ouvir histórias; é a principal ferramenta de conexão entre as pessoas. E talvez porque as histórias sejam facilmente associadas a entretenimento, as pessoas meio que se desarmam para ouvi-las. 

Histórias funcionam ainda mais se as pessoas conseguem se identificar com pelo menos um dos personagens (se for o protagonista, melhor ainda) e fazerem alguma relação com suas trajetórias pessoais.

Aí há inúmeros livros ensinando técnicas para prender a atenção como incluir reviravoltas e surpresas, acrescentar um pouco de drama e construir a atmosfera apropriada. E não é à toa; a narrativa é talvez a mais poderosa ferramenta de comunicação que nós temos.

CONCLUSÕES

Parece meio óbvio, né? Até aqui, nenhuma grande novidade. Mas então por que a gente não consegue fazer isso no nosso dia-a-dia com tanta competência?

Segundo os autores, o grande vilão da história é um negócio chamado “Maldição do conhecimento”.

Eles explicam essa maldição com um experimento realizado por uma doutoranda de Stanford. Ela pediu para um grupo de pessoas ouvir uma música bem conhecida e depois batucar essa canção com as mãos para um outro grupo adivinhar. Ela perguntou para os “batucadores” quantas das 120 músicas os “ouvintes” iriam acertar. Eles calcularam cerca de 50%. Mas, na verdade, somente 3 músicas, dentre as 120, foram identificadas corretamente. Por que isso acontece?

Segundo a psicóloga, porque quem está batucando está ouvindo a música tocando dentro da própria cabeça. A gente conhece bem isso com a brincadeira de mímica; para quem está tentando representar a ideia é tão óbvio que ela se irrita como é que a outra parte não consegue entender.

Importantíssimo estar ciente disso para se comunicar bem.

Resumindo tudo, a gente precisa provocar cinco reações na nossa audiência para uma história “colar”.

  1. Prestar atenção (por isso o elemento surpresa, o inesperado)
  2. Entender e lembrar (por isso a linguagem precisa ser simples e concreta)
  3. Concordar/acreditar (por isso a necessidade da credibilidade)
  4. Importar-se (por isso a emoção)
  5. Capacidade de agir (por isso a narrativa)

O livro é cheio de exemplos e tem muito mais coisas, mas uma técnica que achei bacana é um cartão para você avaliar os casos com relação aos 6 princípios. Você analisa um caso (pode ser o seu mesmo em alguma situação) e faz um checklist se sua estratégia de comunicação atende a cada um deles. 

Essa ferramenta pode ser bem importante e ajudar você a mudar de abordagem sobre algum projeto ou conceito específico que você precisa fazer com que “cole”.

Como eu disse, o livro é antigo e um clássico, não à toa. Muito bom mesmo!

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