A primeira vez que vi um romance do Ian McEwan foi no cinema, no filme Reparação. Achei-o tão sensível, belo, instigante, que fui procurar outras obras dele (aquela já não dava mais; depois de ver o filme, não consigo ler o livro — minha mente já está contaminada com a visão do diretor).
Então li o belíssimo Na praia que narra um casal em lua de mel e seus silêncios mal entendidos. Depois Solar, na minha opinião o mais genial de todos, em que um ganhador do prêmio Nobel de física vive às custas da fama sem produzir mais nada de útil. Também entrei no cotidiano de um médico neurologista em Sábado, uma estranha família de crianças no Jardim de cimento, meti-me na briga de dois jornalistas em Amsterdam e por último levei um robô humanoide para casa em Máquinas como eu.
Quando entrei numa das minhas livrarias favoritas aqui em Berlim (Lovestory of Berlin, somente livros em inglês, com excelente curadoria) e encontrei Science, de autoria dele, como parte de uma coleção temática que ia de religião à arte, passando por festas, mentiras, poder, família, liberdade, guerra, dinheiro, desejo; enfim, fiquei curiosa porque convidaram um romancista para falar sobre ciência.
Depois entendi que a coleção Vintage Minis, em edição caprichadíssima da Penguins Books (uma capa mais linda que a outra) reúne artigos já publicados sobre ícones da literatura sobre determinado tema, além de trechos de livros do autor. Achei a ideia genial e quero muito ler os outros.
Mas vamos ao Science. McEwan começa falando que é mais fácil ser identificado e conhecido como um grande nome na literatura do que na ciência. É que a literatura, de certa maneira, é acessível todo ser humano; já a ciência tem o entrave do código matemático e da necessidade de conhecimento prévio para se entender uma questão. É possível fazer infinitas releituras de Romeu e Julieta, numa linguagem que cada cultura consiga entender. Já explicar a teoria da relatividade para a grande massa é uma tarefa muito mais desafiadora.
Além disso, existe uma grande distância entre os mortais comuns e o cientistas, porque suas ideias são mais populares que eles próprios como pessoas. Mesmo entre os pesquisadores, pouquíssimos leram os Principia de Newton no original; quase todo o conhecimento é transmitido por terceiros à revelia do autor.
McEwan fala sobre o trabalho de Darwin e suas obras menos conhecidas, como “A expressão das emoções no homem e nos animais”; um dos primeiros trabalhos científicos com fotos de pessoas, inclusive de seu filho mais novo. Ele defendia que as emoções são reações fisiológicas e que eram universais; usou esse argumento, inclusive, para combater o racismo de alguns colegas.
Ian advoga que só é possível desfrutar de uma obra literária escrita num período histórico ou numa cultura muito diferente da nossa justamente porque podemos compartilhar das mesmas emoções. A literatura pode codificar tanto o código genético como o cultural; por isso é mais acessível que a ciência.
O autor também fala como, a partir do século XIII, o conceito de individualidade surgiu na Itália, com o Renascimento. Antes, a consciência do homem só podia reconhecê-lo como membro de uma raça, de uma família, de uma tribo, de uma cultura… nunca como indivíduo isolado. Ele fala também que isso afetou a maneira como as crianças eram tratadas; no início, eram menos que animais domésticos, uma espécie de mini adultos incapazes.
McEwan fala ainda sobre a originalidade. Uma obra literária, por mais medíocre ou ruim que seja, é única e tem claramente um autor. Já uma descoberta científica incorre numa disputa de quem chega primeiro, quem deixará seu nome na história.
Em termos gerais, não faz muita diferença se foi Priestley ou Lavoisier quem descobriu o oxigênio, ou se a invenção do cálculo foi obra de Newton ou Leibnitz. Até por que, com as informações disponíveis para todos, mais cedo ou mais tarde alguém chegaria às mesmas conclusões (algo, aliás, muito comum no campo da ciência; dois ou mais autores chegarem às mesmas conclusões quase ao mesmo tempo).
McEwan conta os bastidores da publicação de “A origem das espécies”; Darwin ficou enrolando para escrever porque sabia que ia ferir a Igreja e não queria confusão. Quando um pesquisador amigo Alfred Wallace, enviou-lhe um texto com a teoria perfeitamente formulada, a honra falou mais alto e o cientista se viu obrigado a enviar o artigo ao seu editor. Mas não sem antes correr para conversar com todos os seus contatos e negociar a publicação de um rascunho seu numa edição anterior que chegava às mesmas conclusões. Eles apresentou toda a sua teoria em aulas magnas na Universidade de Oxford mesmo sem o trabalho ter sido totalmente concluído, apenas para garantir a prioridade na descoberta.
Não se faz ciência sem se apoiar em ombros de gigantes, como já dizia Newton. Einstein não conseguiria desenhar sua teoria geral da relatividade sem as ferramentas matemáticas que seus colegas desenvolveram antes. É um trabalho coletivo mais que tudo, porém, tocado por seres humanos. Portanto, não livre de egos.
No restante do livro, é apresentado um capítulo de Solar, em que um aluno empolgadíssimo apresenta sua teoria de células voltaicas para seu cético e preguiçoso e orientador (que, mas tarde, ganhará o Nobel pelo trabalho roubado do aluno). O autor reflete sobre as mudanças climáticas e sobre como o tecnologia pode ajudar (ou não) a evitar o pior.
Depois vem um trecho de Enduring Love (que ainda não li), onde o narrador observa pensativamente o passeio de formigas no seu jardim.
Por último, um trecho de Máquinas como eu, que apresenta uma conversa entre um robô e seu proprietário. A obra discute questões sobre a inteligência artificial e o quanto a humanidade ainda não está pronta para ela (por causa, principalmente, das ambiguidades humanas).
Curiosa já para ler os outros Vintage Minis. Vamos?
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