Estava conversando com um amigo sobre um dos meus assuntos prediletos, identidade corporativa, quando ele me pegou usando a palavra personalidade como sinônimo de identidade e reclamou. Eu não tinha me dado conta, mas ele estava certo. Identidade e personalidade são completamente diferentes.
Personalidade vem do latim persona e designa aquelas máscaras que os atores usavam no teatro grego. De onde pode se inferir que personalidade é aquilo que os outros vêem, não necessariamente quem eu sou. A personalidade está muito mais ligada à imagem (o que eu pareço ser) do que a identidade (minha essência, meu DNA).
O que está ligado à identidade é o conceito de caráter. Esse sim, significa o conjunto de atributos que torna uma pessoa única no mundo e determina a sua índole, seu temperamento, a sua maneira de interagir com o mundo e com as outras pessoas. O caráter é a soma de todos os hábitos, vícios e virtudes. É a pessoa inteira, de verdade, não só a parte que aparece.
Até o século passado, o caráter definia quem uma pessoa era realmente. Depois da Segunda Guerra, com o crescimento da indústria de consumo, a competição pela preferência do cliente e, não por coincidência, a consolidação da propaganda e da publicidade como ferramentas poderosas de persuasão em massa, a palavra foi caindo em desuso e adentramos a era do culto à personalidade.
As personas começaram a ganhar mais destaque; surgiram consultores de imagem e profissionais especializados na comunicação de qualidades superlativas de produtos e pessoas. O “quem” passou a ser definido pela popularidade de alguém, pelos seus pertences ou poderes, pelo design da máscara. O caráter virou palavra em desuso, totalmente “out”.
Com essa crise de identidade que estamos enfrentando que contagia pessoas, empresas, organizações e governos, em que ninguém mais se lembra quais são os seus princípios, em que as personas dominam os meios de comunicação, não seria a hora de ressucitar o velho caráter e lhe dar alguma atenção?
Tirar a máscara por um momento, lavar o rosto e olhar-se no espelho com atenção, poderia ser um primeiro passo para o autoconhecimento e reavaliação das personas que estamos todos usando por aí. Se as organizações e governos também aderissem, daríamos um passo à frente para sair dessa crise de modelos falsos, exagerados e de mau gosto que dominam o mundo real e virtual.
Vale lembrar que as máscaras, como se sabe, só tapam a face. O resto do corpo inteirinho continua aparecendo…
Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br
Rafael Arns
Olá Lígia,
gosto de acompanhar seus comentários, suas idéias, bem como o que nos trás do mundo do design, o que aliás aprecio muito. Neste texto, porém, gostaria de fazer um modesto comentário. Concordo com sua explanação quando apresenta a possibilidade, ou quem sabe, a necessidade de uma conduta ética, mas, apenas aponto para uma leitura diferente quanto ao tema personalidade / identidade, pois seguindo uma leitura em Lacan, e passando para um estudo da linguagem e estética se pode ver que identidade e pesronalidade são conceitos que se fundem, sendo o caráter um traço, algo desprovido de razão, mas pego pela ética.
Um abraço,
Rafael
Lígia Fascioni: Oi, Rafael! Obrigada pela dica. Vou procurar referências para estudar mais o assunto (se você tiver algo a sugerir, é muito bem-vindo).
Mateus
eu penso que identidade e personalidade são os conceitos que as pessoas criam a nosso respeito dada a maneira que nos comportamos, agimos e nos mascaramos diante delas. Todos usamos máscaras e mostramos aos outros somente aquilo que nos convém.
acho q tanto identidade quanto personalidade é isso: a imagem que as pessoas criam a nosso respeito através daquilo que passamos intencionalmente ou não para elas
o meu caráter sim é o que possui a minha essência , o meu eu 100%
não sei se me entenderam, mas é mais ou menos isso que eu penso =)
PS: também gosto do seu blog Lígia, embora eu nao costume comentar
Lígia Fascioni: Obrigada pela visita e pelo comentário, Mateus. O conceito de identidade já está bem definido (foi tema do meu doutorado) e ele é completamente diferente de imagem. Sobre esses conceitos, há vários artigos disponíveis no meu site. Também já escrevi um pouco aqui no blog sobre identidade e imagem (veja Parece, mas não é e Essa tal de identidade). O de personalidade é que ainda estou estudando.
Mateus
hmmmmmmmmmmm li Essa tal de identidade e gostei muito.
Ficou claro para mim o que é identidade agora, nao era bem o que eu pensava =)
eu imaginava que identidade fosse a mesma coisa que imagem, mas isso se chama identidade visual (a imagem que eu quero passar),
bolei esse esquema: identidade visual = imagem, identidade corporativa = identidade, estou certo?
Lígia Fascioni: Oi, Mateus! Que bom que você curtiu, eu gosto tanto do assunto que tenho um site dedicado a ele (vai lá: http://www.ligiafascioni.com.br). Sobre identidade visual, ela não é a mesma coisa que imagem, uma vez que a identidade visual é concreta (posso tocar, desenhar, aplicar) e a imagem é uma abstração mental na cabeça das pessoas, local onde não tenho acesso. A identidade visual é uma das maneiras de materializar a identidade corporativa, mas não é a única. Digamos que ela é uma daquelas peças que montam o quebra-cabeças que é a imagem. Se você se interessa pelo assunto, recomendo a leitura do meu livro “Quem sua empresa pensa que é?“.
Mateus
perfeito…
para mim era tudo tão igual, mas os conceitos são tão diferentes….
consegui entender melhor o que é identidade, identidade visual, e imagem
gracias!
JUPIRA LUCAS ZUCCHETTI
O caráter começa a ser moldado desde a infância. Quando a criança observa as coisas erradas e se ensina que aquilo é errado. Ou seja, se ter ou não caráter é moldado pelo meio em que se vive. Se a criança vive num meio onde se prega a futilidade e o desrespeito as pessoas, com certeza cresce sem limite, e sem caráter. Achando que os piores absurdos que se faz com terceiros é normal, porque foi assim que aprendeu ou deixou de ser aprendido.
ligiafascioni
É mesmo, Jupira. E penso que o caráter se forma com exemplos, não com teorias. Abraços e obrigada pela visita 🙂