Para quem tem Fernweh e não sabe…

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Cresci ouvindo dizer que saudade é uma palavra que só existe em português, você também?

Se a gente tivesse o raciocínio mais crítico, veria que a probabilidade disso ser uma falácia é enorme. Para fazer tal afirmação, uma pessoa teria que ter pesquisado o termo entre as cerca de 7 mil línguas que existem no mundo, segundo a BBC. Imagina só a dificuldade?

Se saudade só existisse, sei lá, em birmanês, ucraniano ou algum dialeto da Somália, ainda vá. Mas segundo o professor Josué Machado, José Marques da Cruz (1888-1958), já registrava em seu “Português Prático” que os russos têm a palavra “toscá” com o mesmo sentido. Em alemão, há “Sehnsucht“; em árabe, “shauck“; em armênio, “garod“; em iugoslavo, “jal“; em letônio, “ilgas“; em japonês, “natsukashi“; em macedônio, “nedôstatok“; em galês, hiraeth; em bretão, hiraezh.

Saudade é uma palavra linda. Amor também é. E amor não é menos bonita por ter tradução em todas as línguas. Não entendo o fascínio pela exclusividade (inexistente, como já vimos) da palavra saudade como se fosse um mérito extraordinário. A língua portuguesa continua bela e especial mesmo compartilhando a saudade com outras tantas; não há o que temer e nem motivo para continuar disseminando essa mentira tão fraquinha.

Em alemão, saudade é perfeitamente traduzível por Sehnsucht. E tem mais: requintados na língua como são, os germânicos vão ainda mais além na descrição do sentimento.

Sensucht é a saudade genérica, como em português. Mas quando a saudade é tão grande a ponto de provocar dor e sofrimento em quem a sente, surgem novas versões compostas pelo substantivo Weh (dor, sofrimento, pena, lamento).

Assim, existe a Wehmut, que é a saudade que se sente pelo que já passou, uma dor interna pelo tempo perdido, uma melancolia; e a Heimweh, que é a saudade do lar, da terra natal. Teoricamente, é possível se construir palavras que traduzam diferentes tipos de saudade nesse idioma, olha que bacana.

Mas de todas essas saudades específicas, a definição mais original e a que adoro (essa sim, acho difícil de traduzir em apenas uma palavra em outra língua) é a Fernweh, que é a saudade de viajar, de ir para longe, para terras distantes.

Nossa, eu sofria de Fernweh e não sabia. Como é um sentimento crônico e a vida é curta demais para se lamentar, lá vamos nós cair na estrada de novo, mesmo que nem seja para tão longe assim.

Sei que muitos aí compartilham a mesma condição, então queria desejar que no próximo ano, todos possamos diminuir nossas Fernweh aumentando em muito as milhas percorridas e as experiências vividas.

Boa viagem!

11 Responses

  1. elton
    Responder
    23 dezembro 2013 at 11:47 am

    Lígia, adorei a curiosidade 🙂
    …infelizmente não falta gente ingenua com essas certezas absolutas pelo mundo.

    Não sei exatamente porque lembrei dessa música e desse clip, acho que você vai gostar, você que gosta de coisas bonitas e bem feitas. Da uma olhada nessa produção: La vuelta al mundo / Calle 13 http://www.youtube.com/watch?v=v_zZmsFZDaM

    abraço

    • ligiafascioni
      Responder
      23 dezembro 2013 at 7:03 pm

      Super bem-feito o vídeo; apenas da história ser um pouco simplista (chefe mau e funcionários bonzinhos/injustiçados), o cara é um artista no post-it!
      Obrigada 🙂

  2. Mayara Brandi
    Responder
    24 maio 2015 at 2:13 pm

    Wehmut não poderia ser facilmente traduzido como “nostalgia”?

    • ligiafascioni
      Responder
      24 maio 2015 at 3:15 pm

      Oi, Mayara! Nos dicionários que eu tenho, nostalgia é traduzida por Nostalgie. Tem até uma derivação para as pessoas que sentem saudades dos tempos em que a Alemanha era dividida. As pessoas do lado leste (Ost), socialistas, falam da época em que não havia capitalismo e que a vida era mais calma. Chamam esse sentimento de Ostalgie (Ost + Nostalgie).
      Abraços 🙂

  3. wander
    Responder
    25 julho 2016 at 11:39 am

    Como crônica o texto é super legal, mas linguisticamente completamente equivocado. Saudade é saudade e não se traduz por enquanto em nenhuma língua já analisada por quem detém o saber nessa área: filósofos da linguagem e linguistas.

    • 25 julho 2016 at 11:44 am

      Oi, Wander! Fiquei curiosa agora. Por favor, cite fontes. Quero saber mais.

  4. Diego
    Responder
    6 novembro 2016 at 12:50 pm

    Incrível… Essa é a definição para aquilo que sinto todos os dias… Uma espécie de nostalgia que sinto por coisas que nunca aconteceram. Isso me deixa inquieto e com vontade de fugir, pois a vida émuito claustrofóbica. Um dia vou saciar essa vontade 🙂

    Diego Amaral, 17 anos.

  5. Rui
    Responder
    22 novembro 2016 at 1:56 pm

    Que legal o seu texto! Muito boa sua explicação. Na primeira vez que vi a palavra Fernweh, a tradução era falta de um lugar em que se nunca esteve. Estou tentando aprender sozinho o idioma alemão, mas tenho certa dificuldade com ele. Vou ver até onde consigo progredir.

  6. Daniel Kaemmerer
    Responder
    10 fevereiro 2017 at 7:38 am

    ´Parabéns pelo texto!!
    Moro no Rio Grande do Sul e sou descendente de alemães. Minha mãe, que fala alemão (tanto o dialeto “hunsrück – falado no interior do estado como a língua pátria germânica) concorda com a definição apresentada!

  7. Larissa
    Responder
    2 abril 2017 at 7:41 am

    Em espanhol também há uma palavra que equivale a “saudade”, que é a “añoranza”. A única diferença que há entre “añoranza” e a nossa “saudade” é que os falantes de espanhol não a usam banalmente como nós, preferindo usar apenas o “te echo de menos” ou o “te extraño”. De fato, não passa de um “Quatsch” essa que só o português possui a palavra ‘saudade’.

    • ligiafascioni
      Responder
      3 abril 2017 at 5:46 am

      Oi, Larissa!
      Que bacana, não sabia que também tem saudade em espanhol, veja só! De fato, não sei de onde tiraram esse ideia que só existe em português, mas o pior é todo mundo ficar repetindo como se fosse verdade (ou mesmo tivesse alguma vantagem, né?).
      Obrigada, abraços e sucesso!

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