Nossa, às vezes fico assustada com a minha ignorância sobre história. Ainda bem que o Conrado sabe muito e me explica os lances todos. Lembro que em 1989, quando caiu o muro de Berlin, eu fazia estágio, estava enlouquecida com as provas de eletrônica do último semestre da faculdade e os preparativos da formatura; um perfeito modelo da alienada. Soube que o tal famoso muro tinha caído, mas não ficou nenhum registro além. Agora, pouco a pouco, vou conhecendo os outros capítulos e tendo uma ideia da dimensão do acontecimento.
A gente passou o último final de semana em Leipzig, no coração da Saxônia, e aprendi muita coisa. E me comovi, me emocionei muito, cheguei até a chorar. Visitamos o museu da cidade que conta um pouco da história com fotos, imagens e objetos.
Tá, mas por que Leipzig? A história toda não se desenrolou em Berlin?
Bom, vamos do começo: o museu dá uma geral sobre as duas guerras, com ênfase na segunda. Saldo de mortos: 62 milhões. Caramba, é gente demais! Eu não tinha ideia desse número. Era um tal de pegar a população de um país como a Polônia, por exemplo, e avisar para 2 ou 3 milhões de pessoas que elas tinham 2 dias para dar o fora. Já pensou?
Bom, horrores à parte, acabou a tal guerra, a Alemanha perdeu, mas não se rendeu. Então pegaram o país e dividiram entre os vencedores: um pedaço para os EUA, outro para a França, outro para a Inglaterra e o último naco para a antiga União Soviética. Pois a URSS queria implantar o regime socialista; destruiu o que restou dos palácios (símbolos da burguesia) e construiu prédios horrorosos no lugar (é de doer os olhos mesmo). Os outros países meio que deixaram a coisa solta; queriam que a Alemanha se desenvolvesse para ser um modelo de como o capitalismo poderia dar certo (e para ser um mercado consumidor também, é claro). Bom, aí o pessoal começou a ver que do lado ocidental (capitalista), a vida parecia melhor e mais confortável e começou a se mudar para lá. Aos montes. O tempo todo. Sem parar.
Os russos ficaram (com razão) preocupados com a emigração massiva e decidiram fechar as fronteiras da parte que era deles. Do dia para a noite, em Berlin, passaram um arame farpado onde existia a delimitação, até então, apenas virtual e depois construíram o tal muro, com a desculpa que era para proteger o seu lado das más influências dos outros.
Tinha partes da fronteira que passava por dentro de prédios. Pois eles simplesmente expulsaram as famílias que viviam lá e emparedaram todas as janelas. Os vídeos mostram o desespero das pessoas, que já tinham passado pelo terror do nazismo e não precisavam de mais isso, né? Tem até um vídeo que mostra um soldado fugindo, saltando por cima do arame farpado para o outro lado.
Bom, Leipzig ficou do lado da Alemanha que pertencia à URSS. A cidade, completamente destruída pela guerra, hoje tem a arquitetura toda irregular. Partes antigas, lindíssimas, foram restauradas como eram; e convivem lado a lado com algumas monstruosidades da arquitetura comunista e outras tentativas mal sucedidas de modernidade. Imagine uma cidade em colapso total onde os homens todos morreram. As mulheres tiveram que carregar pedras para limpar as ruas, reconstruir tudo e arrumar um jeito de alimentar os filhos. Dureza.
Com a guerra fria, a situação econômica e política foi ficando bem complicada e a pressão era grande. Então o pessoal que se reunia na Igreja de São Nikolai (compartilhada por católicos e protestantes) começou um movimento pacífico e muito inteligente: todas as segundas-feiras eles se reuniam para rezar (e protestar contra o regime). Claro que qualquer tentativa de manifestação era tratada à bala pelos soldados e não foi pouca gente que morreu por falar o que não devia. Mas o governo nada podia fazer com a multidão andando pelas praças rezando e segurando velas nas mãos. A cada segunda-feira, o movimento aumentava mais, até que a cidade inteira começou a participar. Depois, veio gente de todas as partes e aquela massa humana gigante começou a chamar atenção. Os líderes políticos não sabiam o que fazer, pois era um movimento totalmente pacífico — as pessoas só oravam e caminhavam juntas. A pressão ficou tão grande que o partido comunista não conseguiu segurar e sucumbiu ao movimento que resultou na queda do muro, em novembro de 1989 e, consequentemente, o primeiro passo para a reunificação do país.
Coisa forte. Emocionante, né?
Tem algumas outras curiosidades sobre a cidade, mas conto depois, para não misturar assuntos.
Tem mais algumas fotos a seguir, mas dá para olhar direto lá no Flickr, se quiser. É só clicar aqui.
Clotilde ♥ Fascioni
Maravilha. A história é comovente, a foto do soldado se jogando no arame farpado, eu me lembro vagamente, saiu nos jornais e revistas da época. Foi impactante. Nada como aprender história in loco. ♥♥
Fatima
Adorei esta reportagem e estou encaminhando para pessoas que curtem o conhecimento.
Abraço. Ma de Fatima Barreto Michels – Laguna/SC
ligiafascioni
Obrigada, Fátima!
Willi Klink
Ligia, quando começaram a construir o muro, lembro de meu pai falando que um dia ele ia cair como foi erguido. Ele disse também que talvez não viveria o suficiente para ver este acontecimento, mas seria histórico. Me emociono muito com esta parte da história do seculo XX. Como ele previu, foi histórico mesmo, e o mais legal que ele viu a alegria e o entusiamos das pessoas subindo e demolindo este símbolo vergonhoso. E viva a democracia, por mais problemas que ela apresenta.
ligiafascioni
Nossa, deve ter sido emocionante mesmo para seu pai, Willi. Mas aos poucos vou descobrindo que nem todo mundo compartilhou da mesma alegria naquele dia. Tenho uma professora que tinha 18 anos na época e disse que chorou a noite toda, assim como boa parte dos seus amigos. Na verdade, a ideia de uma sociedade mais justa até que era boa; a execução é que é impossível em se tratando de seres humanos. Ela estudava filosofia e a queda foi a prova cabal de que o sonho deles não era factível. Até hoje tem gente aqui que não se conforma a ponto de nunca ter saído do seu bairro, do lado oriental (estudo lá) e cruzado a fronteira, mesmo que agora só virtual. A história nunca é tão simples e os seres humanos são surpreendentes…
Abraços,
Guilherme Pella
Muito bom o post! Realmente emocionante, não sabia desta parte da história, tenho apenas 25 anos mas não me lembro dos professores terem ensinado esta parte que antecedeu a queda do muro, inspirador.