Sim, é isso que você leu no título. Os autores de “Hooked: how to build habit-forming products” (tradução livre: “Viciado: como construir produtos que formam hábitos”), Nir Eyal e Ryan Hoover, pesquisaram arduamente e descobriram o que faz a gente se viciar em alguns produtos de tecnologia e ignorar outros.
Eles lembram, por exemplo, que 79% dos smartphones são checados no máximo 15 minutos depois que a pessoa acorda de manhã cedo. E pasme: 33% dos americanos dizem que preferem ficar sem sexo do que sem seus brinquedinhos. Estima-se que, em média, as pessoas consultam seus aparelhos cerca de 150 vezes por dia! Se isso não é um vício, difícil dizer o que seria.
Para os psicólogos cognitivos, hábitos são comportamentos automáticos disparados por estímulos conjunturais; coisas que a gente faz com pouca ou nenhuma consciência. Vícios são um passo a mais; dependem de manipulação mental e criam compulsão.
Nir Eyal estudou profundamente como as empresas conseguiam desenvolver produtos formadores de hábitos (que podem se transformar em vícios) e criou um modelo composto de quatro fases:
1. Gatilho: é o que dispara o comportamento. Os gatilhos podem ser de dois tipos: internos e externos. Aquelas bolinhas vermelhas que indicam mensagens não lidas nos aplicativos, por exemplo, são gatilhos externos. Eles funcionam bem quando se juntam com os internos, que são geralmente questões emocionais (necessidade de conexão e aceitação, autoestima, etc).
2. Ação: os gatilhos disparam ações, que são comportamentos realizados na expectativa de uma recompensa. Aqui a usabilidade é fundamental; a ação tem que ser fácil, rápida e eficiente.
3. Recompensa variável: o fato de não saber o que esperar (um elogio, uma crítica, etc) faz parte da graça. Quando a recompensa é previsível, ela não provoca vontade. A expectativa de surpresa libera dopamina, o que suprime as áreas do cérebro associadas com a razão e o julgamento e estimula a área associada ao desejo. Isso é muito claro no Instagram, por exemplo; entre fotos boas e ruins, a pessoa passa horas navegando sem se dar conta do tempo.
4. Investimento. Essa é a fase que provoca realmente o vício. O investimento aqui não tem a ver com pagamento, mas com o tempo que se investe na ferramenta (convidar amigos, definir preferências, construir um perfil, enfim, todo o tempo que se leva tentando melhorar a experiência em visitas futuras). Dan Ariely, em seu ótimo “Irracionais”, explica que a gente dá um valor absurdo a tudo aquilo que produzimos com as próprias mãos. Ou seja, quanto mais a gente investe tempo, mais a gente valoriza. Por isso muitos dos aplicativos são repositórios de nossas memórias.
Os autores ainda apresentam a matriz de manipulação que ajuda ao empreendedor decidir se deve ou não usar essas ferramentas (que só valem para produtos de uso contínuo; não para aqueles de uso não constante ou uma vez só).
O desenvolvedor deve ser fazer duas perguntas:
- Eu usaria esse produto?
- Esse produto melhora a vida de quem usa?
A matriz tem quatro posições, como a gente pode ver na figura:
Mascate: se a pessoa está nessa posição, ela vende uma coisa que considera útil, mas não usa. Na verdade, esse desenvolvedor acha que sabe o que é mehor para os outros, mas não pratica. Nessa categoria frequentemente estão sites e aplicativos voltados para a caridade, produtos que prometem transformar trabalho duro em diversão e coisas do tipo. Na verdade, se a pessoa não usa é porque ela não está realmente convencida de que o produto é útil; basicamente está mais focada em vender do que em entregar valor. Para os mascates geralmente falta a empatia necessária para ter insights e criar coisas que os usuários realmente queiram.
Facilitador: se a pessoa desenvolve algo que usaria e realmente é útil, então seu uso pode trazer hábitos positivos. Exceção para produtos relacionados a uma faixa etária à qual você não pertence (tipo, você é adulto e o produto é para adolescentes). Mesmo assim, você não pode se considerar um facilitador se você não usa o produto em primeira mão.
Traficante: a pessoa desenvolve um produto que não usaria e acredita também que não melhora a vida dos usuários. Precisa dizer mais?
Animador: nesse caso, o desenvolvedor só quer divertir a si e aos outros. É mais um produto de entretenimento. Aqui, o desafio é grande, pois é preciso estar constantemente conectado com os usuários para saber o que mudar para não entediá-los.
Pois é, tem toda uma questão ética quando se desenvolve uma ferramenta (e se divulga) que facilita o desenvolvimento de produtos que podem viciar as pessoas. Por outro lado, é bom a gente conhecer as ferramentas que estão sendo usadas para nos viciar; só assim podemos nos defender melhor.
Por último, uma questão muito interessante que o autor coloca. Ele diz que criar produtos que formam hábitos é uma espécie de superpoder.
E se não pode ser usado para o mal, então não é um superpoder.
Né?
NOTA 1: Uma curiosidade sobre como esse livro veio parar na minha mão. Ele já estava na minha lista de desejos da Amazon (que é imensa e só faz crescer) há alguns meses, mas sempre acabava priorizando outros. Pois dia desses apareceu uma caixa cheia de livros no hall de entrada do meu prédio com a placa “Zu verschenken” (doação); isso é muito comum aqui em Berlim. Em todo lugar a gente encontra caixas com livros e objetos diversos nas calçadas, prédios e pontos de ônibus. Já peguei um sapato, duas molduras, três bolsas e inúmeros livros; acho uma delícia! Pois esse livro estava novinho dentro da caixa com vários outros interessantíssimos. Bacana, né?
NOTA 2: Tem um episódio do cal Berlim Tech Taks onde a gente fala a respeito desse livro. Olha aqui:
Cristiana
Bom meu nome é Cristiana Almeida Rodrigues Canabrava
Quero me decidir entre Cris Rodrigues ou
Cristiana Canabrava
Gostaria muito de uma ajuda.
ligiafascioni
Oi, Cristiana!
Como disse, não sou especialista no assunto. Como você se sente melhor representada? Qual deles traduz melhor quem você é? Gosto dos dois; Canabrava me parece menos comum, mais memorável. Mas só você pode decidir!