O título “On being certain: believing you are right even when you’re not” (Tradução livre: “Sobre ter certezas: acreditando que você está certo mesmo quando não está”) me atraiu logo de cara. Mas confesso que achei a obra do neurologista Robert A. Burton muito chata.
Sabe aqueles livros que poderiam ter sido apenas um bom artigo, mas precisam preencher 250 páginas, então ficam recheados com um monte de histórias intermináveis? Então. Mas se abusa um pouco da paciência do leitor, não chega a não tira o valor do conteúdo.
Vamos lá, então!
O autor começa explicando que a sensação de que a gente sabe uma coisa, assim como os sentimentos de familiaridade e estranhamento, não se encaixam nas categorias de estados mentais funcionais que os neurologistas estudam, como emoções, humores e pensamentos.
A sensação de conhecimento e suas associadas (familiaridade, estranhamento) representam aspectos de um tipo diferente de atividade mental. Ela faz parte de um sistema interno de monitoramento que nos dá acesso aos nossos pensamentos e julgamentos. Louco, né?
A analogia que ele usa para explicar isso são os vários sensores que temos no corpo; é por meio da visão e da audição que percebemos o mundo ao nosso redor, por exemplo. Da mesma maneira, temos um conjunto de sensores para acessar o nosso mundo interior.
Funciona assim: quanto o corpo precisa de comida, o sensor da fome se faz notar. Quando estamos desidratados e precisamos de água, entra em ação o sensor da sede. Então, temos sensores que nos conectam com o mundo exterior, mas também temos um conjunto para uso interno.
Da mesma forma, segundo o estudioso, temos um sistema sensorial que informa para as nossas mentes o que nós estamos pensando. Por exemplo: para incentivar o aprendizado, o cérebro precisa ter a sensação de que está indo no caminho certo, que o que ele está aprendendo está certo. Da mesma forma também desenvolvemos mecanismos de recompensa e encorajamento para pensamentos que ainda não foram testados, mas que podem ser úteis no futuro.
Para que a recompensa seja realmente poderosa e incentive o nosso cérebro a pensar e aprender, algumas sensações, como o que ele chama de “sentimento de que se sabe” e “sentimento de convicção”, precisam parecer conscientes e deliberadas conclusões, apesar de não o serem. Como resultado, o cérebro desenvolve uma constelação de sensações mentais que se parecem com pensamentos racionais; mas, na verdade, não são.
Esses sentimentos involuntários e incontroláveis são de fato sensações mentais; sensações essas sujeitas a uma vasta variedade de ilusões perceptivas comuns a todos os sistemas sensoriais (lembre-se como é fácil enganar os olhos e ouvidos; por que não seria igual com os outros sensores?).
Burton usa uma metáfora interessante: é como se cada rede neural dentro de outra rede neural fosse um membro de um comitê enorme.
Quando uma questão é colocada, cada membro tem um voto e todos são computados até chegar numa conclusão. Agora imagine que cada membro desse comitê representa uma sensação mental; do sentimento de que se sabe ao sentimento de familiaridade, bizarrice, estranhamento, ou realidade. Eles todos vão participar da decisão final a respeito de um pensamento, incluindo se está certo ou errado.
Repare que não há nenhum voto parecido com “sensação de entendimento”. É que o membro responsável pela familiaridade “sim, eu conheço, já vi isso antes” tem um peso enorme. Junto com seu colega “senso de convicção” eles atropelam os demais (a não ser que a coisa seja realmente muito bizarra).
O resultado é que se tem a sensação de estar certo mesmo sem elementos suficientes para concluir isso, já que a análise não foi racional, mas emocional.
Segundo o neurocientista, esse sentimento de estar certo não é uma coisa consciente, que possa ser controlada ou diminuída deliberadamente. O que a gente pode fazer é conscientemente inserir novas informações contrárias; aí os valores e pesos podem ser reavaliados. Por isso o contraditório é tão importante.
A mensagem é que os sentimentos de conhecimento, correção, convicção e certeza não são conclusões racionais e escolhas conscientes. São sensações mentais que acontecem e se baseiam mais na familiaridade e no conforto do conhecido do que em raciocínio lógico.
Para Robert, a definição padrão de SABER — perceber diretamente, apreender a informação na mente com clareza e certeza, considerar a verdade além da dúvida — é inconsistente quando se considera o entendimento atual das funções cerebrais.
Ele sugere que deveríamos substituir a palavra saber por acreditar em todas as áreas, inclusive na ciência.
Em vez de dizer que tem certeza que tal causa provocou tal efeito, seria melhor reformular para “acredito que tal causa provocou tal efeito, dadas as evidências”. Isso não seria de forma alguma negar o conhecimento científico, mas reconhecer suas limitações. Passar a usar “eu acredito” nos lembraria o tempo todo os limites do conhecimento e da objetividade. Mas é claro que essa proposta não faria o menor sucesso, né?
Como autor diz, certeza é algo biologicamente impossível ; precisamos aprender (e ensinar nossas crianças) a tolerar os desprazeres da incerteza. A ciência já tem a linguagem e a ferramenta; chama-se probabilidade.
Para fechar, ele deixa uma frase ótima do Prêmio Nobel de Física (2004), David Gross: “O produto mais importante do conhecimento é a ignorância”.
De fato. Sócrates já dizia isso lá atrás — ele sabia que não sabia nada…
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