A coluna anterior me lembrou um texto antológico do Bruno Munari, que faz parte do sensacional livro “Das coisas nascem coisas“.
Olha só:
“O luxo é a manifestação da riqueza
que quer impressionar o que permaneceu pobre.
É a manifestação da importância que se dá
à exterioridade e revela a falta de interesse por tudo
o que seja elevação cultural. É o triunfo
da aparência sobre a substância.
O luxo é uma necessidade para muitas pessoas que
querem ter um sentimento de domínio sobre os outros.
Mas os outros, se forem pessoas civilizadas, sabem
que o luxo é fingimento, se forem ignorantes, admirarão
e até talvez invejem os que vivem no luxo. Mas a quem interessa
a admiração dos ignorantes? Aos estúpidos, talvez.
O luxo é, de fato, uma manifestação de estupidez.
Por exemplo, para que servem as torneiras de ouro se delas sai uma água contaminada?
Não será mais inteligente pôr um filtro de água e ter torneiras normais?
O luxo é, pois, o uso errado de materiais dispendiosos
sem melhoria das funções. É portanto, uma estupidez.
Naturalmente, o luxo está ligado à arrogância e ao
domínio sobre os outros. Está ligado a um falso sentido
de autoridade. Antigamente, a autoridade era o feiticeiro,
que tinha ornamentos e objetos que somente ele podia ter.
O rei e os poderosos usavam caríssimos tecidos e peliças.
Quanto mais o povo se mantinha na ignorância,
tanto mais a autoriedade se mostrava coberta de riquezas.
E ainda hoje, em muitos países, observam-se
essas manifestações de aparências miraculosas.
Atualmente, porém entre as pessoas sãs, procura-se o
conhecimento da realidade das coisas e não
a aparência. O modelo já não é o luxo e
a riqueza já não é tanto o ter quanto o ser (para citar Erich Fromm).
À medida que diminui o analfabetismo, cai a autoridade aparente e,
em lugar da autoridade imposta,
surge a autoridade reconhecida. No passado, um cretino
sentado num enorme trono podia, talvez, impressionar,
mas hoje, e , sobretudo amanhã, espera-se
que não seja mais assim. Desaparecerão os tronos
e as poltronas de luxo para os dirigentes impostos, os
móveis especiais para os chefes, as grandes cadeiras luxuosas
colocadas em estrados de mogno, os ornamentos, as
hierarquias e tudo o que servia para impressionar.
Em suma, quero dizer que o luxo não é uma questão
de design. ”
Sem mais.
Gustavo
ótima definição do italiano Bruno Munari.
complemento com esta:
“Na verdade, a flutuação bulímica entre a gratificação e o sentimento de autorrepugnância gerado pela compulsão de comprar, depressa demais, é exatamente o que o luxo se tornou. Nem sempre foi assim. […] Luxo teve outros significados no passado.”
“O alívio que o luxo podia oferecer é o que encorajava os déspotas mais brutais e violentos a financiar eruditos e artesãos para criá-lo. É devido aos recursos que eles exigiam que o luxo é uma característica que também se tornou um sinal de status, destacando um grupo social de outro.” – SUDJIC, Deyan, A Linguagem das Coisas, 2008. página 91.
“[…] pretendia demonstrar a riqueza e o poder da família que o encomendou, seu conhecimento das coisas e sua estirpe. Era o símbolo do luxo de fato […]”. – mesmo autor, mesmo livro da citação anterior, página 100.
ligiafascioni
Esse livro também é ótimo, Gustavo! Obrigada por lembrar dele.
Abraços 🙂
Gabriella Araujo
Olá Ligia!
Poderia me dizer a página do livro em que se encontra o trecho supracitado?
Obrigada!
ligiafascioni
Oi, Gabriella!
Esse post não é recente e o livro está numa caixa de mudanças, portanto estou sem acesso a ele no momento. Mas assim que tiver, conto para você, ok?
Abraços,
Rogério Vaz
Texto sensacional. Em suma, o luxo não é uma questão
de design, sem mais.
Carlos Navarro
Excelente texto, Ligia! Dá no que pensar (e isso é mais ainda excelente!). Não é à toa que hoje em dia existe até o tal de funk ostentação e outras imbecilidades iguais. “O luxo é, pois, o uso errado de materiais dispendiosos sem melhoria das funções. É portanto, uma estupidez.” Falou tudo!
E ser feliz, é outra coisa! 😉