Criatura

Nem li direito a quarta capa para saber a história; confesso que, nesse caso, comprei o livro por causa do título: “Das Wesen” (tradução livre: “a criatura”). Daqui alguns meses ficará claro porque a palavra me chamou atenção, mas, por ora, vamos à obra.

O autor, o alemão Arno Strobel, trabalhava com tecnologia de informação em Luxemburgo, num grande banco, até que, aos 40 anos, resolveu começar a escrever thrillers. Esse é o quarto romance dele e fiquei curiosa para ler os outros.

A história começa com um comissário de polícia e seu parceiro recebendo uma chamada anônima denunciando o sequestro de uma criança. Eles vão até o endereço fornecido e, para a surpresa de ambos, encontram o médico psiquiatra condenado a 13 anos de prisão graças ao trabalho dos dois. Tinha sido o primeiro caso da dupla, há 15 anos.

Na época, Alex Seifert, que faz o narrador, conta que seu chefe, o comissário Bernd Menkhoff lhe deu uma bronca porque ele ficou muito emocionado em ver uma criança morta pela primeira vez. Bernd deixou claro que o trabalho exigia cabeça fria para não perder os detalhes; um erro e o criminoso poderia escapar. O tal psiquiatra, dr. Lichner, principal suspeito, era casado com uma mulher tão bela quanto calada e misteriosa. Ela acabou ajudando nas investigações e, depois do médico condenado, acabou ficando dois anos num relacionamento com Menkhoff. Ele tinha certeza absoluta da culpa do médico e fez de tudo para conseguir provas para condená-lo. Seu parceiro e subordinado, Alex, torturou-se por anos na incerteza de ter tomado a decisão mais correta, apoiando incondicionalmente seu chefe. Será mesmo que o tal médico era culpado? Menkhoff, apesar de experiente, parecia tão alterado naquela época. Cabeça sempre quente, nervos à flor da pele, o completo oposto à frieza de raciocínio que cobrou do colega novato.

Nessa chamada anônima, acabaram descobrindo que o psiquiatra estava sendo acusado de sequestrar a própria filha, que eles nem sabiam que existia. As investigações vão se desenrolando e Alex fica cada vez mais desconfortável com a ideia de que o médico possa ter sido condenado injustamente. Os parceiros descobrem que ex-muher dele, Nicole, também era sua paciente e tinha uma história de vida muito complicada.

Para quem gosta de ler policiais, não dá para dizer que o final é surpreendente; mas que é muito bem escrito, com certeza é.

Recomendo fortemente e vou já ficar atenta aos outros livros dele. Muito bom.

PS: Wesen normalmente é uma palavra usada para caracterizar criaturas ou seres não-humanos, mas, no livro, o psiquiatra a utiliza na forma mais ampla, que é a designação de ser, ente, vivente. Ele afirma, em mais de uma oportunidade, que é preciso conhecer a natureza dos seres. Daí o título.

Top 10 de fevereiro: fim de inverno

Fevereiro foi curtinho, mas deixou muitas imagens bacanas. Teve neve, mas também teve sol e dias lindos, cheios de cor. Vamos fazer um balanço?

Escolha aí a que mais você gostou.

#paracegover Descrição para deficientes visuais: A imagem mostra uma das margens de um canal do rio Spree. Há uma luminária, um banco, árvores sem folhas e o chão coberto de neve. Faz frio. — at Derag Hotel und Living Grosser Kurfuerst Berlin.
1. No começo do mês, a paisagem ainda estava assim, toda branquinha e melancólica. #paracegover Descrição para deficientes visuais: A imagem mostra uma das margens de um canal do rio Spree. Há uma luminária, um banco, árvores sem folhas e o chão coberto de neve. Faz frio. — at Derag Hotel und Living Grosser Kurfuerst Berlin.

#paracegover Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra uma rua onde passam pessoas, carros e ciclistas. Tudo, incluindo o poste de iluminação, o céu nublado e as árvores sem folhas, está refletido na poça d'água em primeiro plano. — at Gneisenaustraße.
2. Chuva, muita chuva foi o que teve esse mês. Mas teve também espelhos naturais bem inspiradores, como esse aqui! #paracegover Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra uma rua onde passam pessoas, carros e ciclistas. Tudo, incluindo o poste de iluminação, o céu nublado e as árvores sem folhas, está refletido na poça d’água em primeiro plano. — at Gneisenaustraße.

#paracegover Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra o rio Spree visto de cima de uma ponte. Na margem esquerda, os prédios dourados pela luz do sol são refletidos na água. — at Gotzkowskybrücke.
3. Falando em espelho natural, o que é isso, minha gente? São Pedro, quando quer, faz um trabalho bem caprichado! #paracegover Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra o rio Spree visto de cima de uma ponte. Na margem esquerda, os prédios dourados pela luz do sol são refletidos na água. — at Gotzkowskybrücke.

#paracegover Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra uma estação de trem vista por dentro. Há uma pessoa na plataforma vazia, consultando seu celular. A luz do sol faz com que os prédios ao fundo fiquem dourados. — at Berlin Jannowitzbrücke station.
4. E essa luz maravilhosa no fim do túnel? Há esperança, sim senhor! #paracegover Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra uma estação de trem vista por dentro. Há uma pessoa na plataforma vazia, consultando seu celular. A luz do sol faz com que os prédios ao fundo fiquem dourados. — at Berlin Jannowitzbrücke station.

#paracegover Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra uma bicicleta encostada em uma parede cuja metade inferior é revestida de cerâmica verde musgo e a parte de cima estampada com grafite hiperrealista representando girassóis gigantes. A despeito das temperaturas negativas, nessa fachada é sempre primavera... — at Berlin Hiddenseerstrasse.
5. Desconheço criatura que não ame girassóis; é a miss Simpatia das flores…rsrs #paracegover Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra uma bicicleta encostada em uma parede cuja metade inferior é revestida de cerâmica verde musgo e a parte de cima estampada com grafite hiperrealista representando girassóis gigantes. A despeito das temperaturas negativas, nessa fachada é sempre primavera… — at Berlin Hiddenseerstrasse.

#paracegover Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra o rio Spree visto de uma das margens em pleno crepúsculo. A luz é de tirar o fôlego... — at Kaiserin-Augusta-Allee.
6. A pessoa vai trabalhar e tem que passar por isso. Ninguém merece…rsrs.. #paracegover Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra o rio Spree visto de uma das margens em pleno crepúsculo. A luz é de tirar o fôlego… — at Kaiserin-Augusta-Allee.

#paracegover Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra a fachada de um dos prédios do Instituto Fraunhofer de tecnologia vista da outra margem do rio Spree. Um par de cisnes compõem o cenário sob a luz dourada do sol. — at Kaiserin-Augusta-Allee.
7. Essa luz dourada que faz tudo virar ouro é uma das coisas mais lindas do mundo, na minha opinião. Pena que os cisnes acharam que iam ganhar cachê, mas esqueci de levar pãozinho para os fofos, que ficaram bem decepcionados. #paracegover Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra a fachada de um dos prédios do Instituto Fraunhofer de tecnologia vista da outra margem do rio Spree. Um par de cisnes compõem o cenário sob a luz dourada do sol. — at Kaiserin-Augusta-Allee.

#paracegover Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra um homem caminhando com um carrinho de bebê. Ao fundo, uma parede toda grafitada com um grande beijo pink em destaque. — at Gabriel-Max-Straße.
8. Depois da barba, carrinho de bebê parece ser a moda mais cool aqui em Berlin para os homens. Tendência das boas! #paracegover Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra um homem caminhando com um carrinho de bebê. Ao fundo, uma parede toda grafitada com um grande beijo pink em destaque. — at Gabriel-Max-Straße.

#paracegover Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra uma ponte na parte de trás do Castelo de Charlottenburg. O lago embaixo dela está congelado. A vegetação tem apenas galhos. Muitas pessoas caminham sobre a ponte. O dia está lindo (mas a foto é do final de semana; hoje está bem nublado). — at Schlosspark Charlottenburg.
9. Lago congelado em dia de sol é foto bacana garantida. Acho que deve ficar boa até se clicar de olho fechado…rsrs #paracegover Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra uma ponte na parte de trás do Castelo de Charlottenburg. O lago embaixo dela está congelado. A vegetação tem apenas galhos. Muitas pessoas caminham sobre a ponte. O dia está lindo (mas a foto é do final de semana; hoje está bem nublado). — at Schlosspark Charlottenburg.

#paracegover Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra a praça central do Sony Center, em Berlim. O piso de granito preto reflete a arquitetura desenhada em concreto, aço e muito vidro. — at Sony Center.
10. Essa foi a última foto do mês e uma das mais coloridas. #paracegover Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra a praça central do Sony Center, em Berlim. O piso de granito preto reflete a arquitetura desenhada em concreto, aço e muito vidro. — at Sony Center.

Cabo de gata

A imagem mostra a caoa do livro "Cabo de Gata". São três listras com um degradê que vai do verde ao preto sobre o fundo branco. Em cada uma, aparece a silhueta de um gato.

O título do livro me chamou atenção logo de cara; “Cabo de gata“, de Eugen Ruge estava em todas as vitrines da maior e mais querida livraria de Berlin, a Dussmann, em 2014. Olha, eu sei a fortuna que a editora precisa pagar para uma livraria (qualquer livraria) colocar o livro em destaque, seja na prateleira, seja nas ilhas de livros (no Brasil e no mundo é assim), então era um sinal de que o autor valia o investimento. Ruge, nascido na antiga União Soviética e formado em matemática, emigrou da DDR para a Alemanha Ocidental em 1988 para trabalhar com rádio e teatro. Ele é um autor respeitado e ganhou vários prêmios de literatura na Alemanha por outra obra. Como sempre faço, esperei um pouco e deu certo.

Semana passada, no mercado de pulgas que frequento quase todos os finais de semana, achei o volume por  € 1,00. Não tinha como não levar.

O livro conta a história de um químico com um bom emprego em um instituto de pesquisa berlinense que resolve largar tudo e parar para pensar. Ele tem uma ex-esposa e uma filha pequena (que não entendi bem se é ou não dele). Vende tudo sem saber direito o que vai fazer da vida, pede demissão, e compra uma passagem de trem para Barcelona. Passa uns dois dias lá meio entediado até que, num jornal, vê o desenho do mapa da Espanha e acha um lugar, bem no litoral sul, chamado Cabo de Gata. Resolve ir lá ver pessoalmente.

Como é inverno, o “Último paraíso da Europa“, como se auto-intitula o lugar, está praticamente deserto. O vento é gelado e o homem passa o primeiro mês sem fazer absolutamente nada. Ele não pensa, não filosofa, não faz planos, não escreve. Não está deprimido, apenas sem rumo.

Depois de três meses no vilarejo, quase no final do inverno, ele vai colocar uns postais na caixa de correio e uma gata o segue até a pensão em que está hospedado. Ele dá comida a ela e acabam dividindo a cama alguns dias depois, quando descobre que ela está grávida. Um barrigão enorme, cheio de gatinhos dentro. Fica um pouco assustado, mas continua se encontrando com a felina todos os dias à noite, perto da caixa de correio. Até que um dia ele passa a mão na barriga dela e a gata não gosta; sai indignada pela janela do banheiro e nunca mas aparece. Só então, depois de alguns dias, ele resolve começar a escrever, contando a história. Sim, essa é a história. Fim.

Devo ser muito insensível mesmo, pois fico perplexa quando vejo alguém conseguir preencher 203 páginas com rigorosamente nada. É claro que deve ter muitos simbolismos em todos os trechos, mas não consegui captar; e olha que gosto de personagens reflexivos (são, inclusive, meus favoritos). Mas aqui o protagonista é puro tédio, não tem absolutamente nada de interessante; nem na personalidade, nem na sua história. Ao contrário do autor, penso que a vida dele não daria um livro.

A parte boa foi o lugar, que realmente existe e parece muito bonito. Fiquei animada em conhecer o Cabo de Gata porque na história, o protagonista avista várias vezes flamingos rosa passeando pela praia.

Talvez o outro romance dele, o tal premiado, seja mais interessante, não sei; confesso que fiquei curiosa. Se alguém quiser se arriscar, que vá por sua conta e risco. De minha parte, lamento dizer que o livro vale exatamente o preço que paguei por ele…

E a segunda vida continua…

Olhando a capa dura maravilhosa (já disse e reitero: sou dessas que julga o livro pela capa SIM), a edição caprichada e a descrição da história, simplesmente não consegui resistir e levei para casa “Unser Zweites Leben” (tradução livre: Nossa segunda vida), do engenheiro francês especializado em energia solar Alain Monnier.

O livro, escrito em 2008, auge do jogo “Second Life“, fala de pessoas cuja vida só faz sentido porque têm seu avatar no mundo virtual para chamar de seu. Para quem não conhece, o Second Life é uma espécie de realidade paralela onde você pode escolher a aparência de seu personagem (o tal avatar) e viver uma vida como se fosse real: é possível viver, trabalhar, estudar, conhecer pessoas, ir a festas, vestir-se, fazer sexo, fazer turismo, tudo no ambiente virtual. No ápice da fama, quase todas as empresas reais tinham ilhas, prédios e escritórios lá. Universidades e escolas de língua imaginaram que esse seria um excelente ambiente de aprendizado, mas no final descobriram que as pessoas só estavam lá para conhecer outras e se relacionar. As iniciativas educacionais não tiveram muito sucesso; os bancos também acabaram saindo depois de gastar um bom dinheiro instalando filiais na Second Life.

Na história, o autor faz um recorte da vida real e virtual de alguns personagens; praticamente todos têm coisas mal resolvidas ou alguma insatisfação na vidade real, sejam doenças terminais, depressão, ansiedade, timidez extrema, insegurança, etc. Mas no Second Life (que em alemão é Zweites Leben) tudo muda; como cada um escolhe seu avatar, os corpos são exatamente como seus donos desejam. E a simulação é bem completa; há ricos e pobres. Alguns entram como ricos (na vida real) comprando avatares mais caros e até famosos (Marylin Monroe e Hitler aparecem na história; eles valem uma fortuna); promovem festas e compram roupas caras (pois tudo se paga com o dinheiro virtual, que pode ser trocado por dólares reais). As pessoas comuns começam tentando descobrir como o negócio funciona; algumas se adaptam bem e conseguem popularidade, patrocinadores e até amigos.

Como na vida real, os influenciadores de opinião também ganham dinheiro de empresas para usar determinadas marcas. Aí a gente vê personagens, como Isidro, um bon vivant riquíssimo na Second Life, acompanhando o número de seguidores minuto a minuto de maneira quase obsessiva. A sessão de sexo entre ele e o avatar de Joana D’Arc é visto por milhões de pessoas e ele ganha muito dinheiro virtual com o feito. Todas as suas ações são baseadas nas reações dos seguidores; ele não desvia sua atenção disso por nada e esse é o segredo do seu sucesso. Na vida real, é um homem doente terminal que só tem um amigo, Fernando, que prefere se afundar nos livros do que na internet.

Na minha opinião, o problema da obra é que ela é um recorte de histórias, mas não tem uma linha mestra que prenda a atenção. Apresenta e descarta vários personagens pelo caminho, como se fosse um trailer de demonstração do jogo. Há crimes, amores e traições, mas nada muito refinado ou especialmente interessante. O excesso de clichês também incomoda um pouco.

Andei fazendo umas pesquisas superficiais e o Second Life, apesar de perder participantes para o Facebook e outras redes sociais (que também não deixam de ser um jogo de popularidade de avatares, se a gente analisar bem), continua com impressionantes 900 mil usuários ativos por mês ao redor do mundo.

Como literatura, achei bem fraco. Mas como uma análise do comportamento humano e sua insaciável necessidade de ser popular, penso que vale a pena.

Minha conclusão é que, no final das contas, todo mundo só quer mesmo é ser amado.

Como está seu prazo de validade?

A imagem mostra uma fábric cuja torre onde está instalado o relógio apresenta uma instalação de um olho humano bem assustador.

Desde que aprendi a ler, desenvolvi um vício difícil de largar: devoro toda palavra impressa que aparece no meu campo de visão. Isso inclui cartazes nas paredes, folhetos diversos, livros, placas, qualquer coisa. É mais forte que eu, não consigo evitar.

Eis que o negócio piorou muito desde que me mudei para a Alemanha, pois voltei aos meus seis anos de idade e quero ler tudo o que aparece para tentar entender a língua e a cultura do lugar. E a cultura está nos lugares onde a gente menos espera: nos rótulos das embalagens, por exemplo.

No Brasil, os produtos todos trazem aquela frase ameaçadora e suas variantes: consumir até data tal. Prazo de validade: data tal. Consumir no máximo até data tal. Não consumir depois da data tal. A gente morre de medo de ultrapassar um dia sequer, a impressão é que a pessoa vai morrer se tomar um sorvete que venceu ontem.

Aí, quando cheguei na Alemanha, achei estranhíssima a frase: “mindestens haltbar bis: data tal”. É que mindestens é no mínimo, pelo menos. Haltbar é durável, conservável, resistente. Eu não entendia e pensava: como assim, mínimo? Eles deviam dizer que esse é o prazo máximo! Não faz sentido escrever isso no rótulo, está invertido.

Aí fui entender a tal da cultura por trás desse aviso inocente. Interpretando corretamente a frase, lá está escrito que eles garantem que o produto está bem conservado pelo menos até essa data. Pode ser que ele esteja bom depois, mas aí você vai ter que usar seu bom senso para saber. Mas no mínimo até essa data, tudo deve estar ok.

Deu para perceber a diferença sutil de abordagem?

Na nossa cultura, você precisa consumir o produto até a data tal de qualquer maneira. Na cultura alemã (ou europeia, não sei), não há uma ameaça velada. Apenas uma recomendação, apresentada de uma maneira, a meu ver, um pouco mais positiva. É claro que as mensagens mais restritivas no Brasil  podem ser porque ele nunca passou por uma guerra, porque é bem mais jovem e consumista ou até por causa do calor; num país tropical, essas questões de validade são mais sérias. De qualquer maneira, achei interessante.

Talvez essa diferença de visão seja responsável por tantas iniciativas de sucesso na Europa com lojas que só vendem produtos de validade vencida ou próximas do prazo com preços bem menores, como essa, na Dinamarca. No Brasil, imagino que seria complicadíssimo.

Lembrei disso porque minha mãe publicou um texto de humor onde ela descrevia uma cena em que três pessoas com “data de validade quase vencendo” estavam sentadas num café. No Brasil, logo estariam, para continuar a metáfora, “impróprias para consumo”. Na Alemanha, onde a idade média da população é mais alta, elas estariam “na garantia” até o prazo, mas depois poderiam continuar ótimas; dependeria muito das condições de conservação…rsrs

Essas diferenças são muito sutis e delicadas, mas ampliam nossa visão do mundo. Quem diria que dá para aprender tanto lendo rótulos?

***

NOTA: a legislação brasileira de rótulos de embalagens dá um banho na Europeia, na minha opinião. Não é raro comprar produtos sem ter a mínima ideia da origem e de onde são produzidos. Aquelas tabelas nutricionais só aparecem às vezes.

O que uma coreógrafa pode nos ensinar sobre criatividade

A imagem mostra um grafite hiperrealista de uma mulher se alongando com os braços abertos e uma blusa azul.

Uma mulher, já septagenária, encontra-se numa sala grande, com pé direito alto, totalmente vazia, exceto pelos espelhos e as barras de exercícios fixadas nas paredes. É o equivalente à tela em branco para o pintor, à pedra bruta para o escultor, à folha em branco para o escritor. Ela tem apenas cinco semanas para criar, produzir e estrear um espetáculo de dança que as pessoas jamais esqueçam. Precisa decidir o tema, as músicas, os cenários, quantos e quais bailarinos participarão em cada etapa, os figurinos e a iluminação.

É claro que pode contar com a ajuda de especialistas, mas é a responsável pelo conceito. E ela consegue. Já fez isso mais de uma centena de vezes.

Twyla Tharp, a mulher de quem estamos falando, tem conhecimento de causa para nos presentear com o ótimo “The creative habit: learn it and use it for life” (tradução livre “O hábito criativo: aprenda-o e use-o para a vida“). Ela já trabalhou com as maiores companhias de balé do mundo, criou espetáculos para gente como Mikhail Baryshnikov, coreografou os filmes Hair, Ragtime, Amadeus e O Sol da meia-noite, além de vários musicais na Broadway.

Pode acreditar, um dos maiores nomes da dança contemporânea do século XX  sabe exatamente o que está falando quando discorre sobre criatividade.

No livro, ela confirma tudo o que outros especialistas já disseram sobre o tema: trata-se de um hábito, não iluminação divina (falo mais aqui). Twyla ainda reforça: se a criatividade é um hábito, a melhor criatividade é o resultado de bons hábitos de trabalho. Essa história de gênios naturais não existe e ela usa a história de Mozart como exemplo (ela se aprofundou muito na vida dele, pois coreografou o filme Amadeus).

Twyla explica que Mozart só conseguiu florescer porque tinha Leopold como seu pai, um dos mais famosos compositores e pedagogos da Europa na sua época, além de reconhecidamente um músico virtuoso no violino. Cultíssimo, mente aberta, colocou à disposição do filho todo o tipo de conhecimento possível.

Observando que o menino gostava de música, ensinou tudo o que era necessário sobre a arte, incluindo harmonia, composição e contrapontos; a criança teve acesso aos melhores concertos, os melhores professores e os melhores instrumentos. E mais: Mozart dedicou-se mais do que qualquer outro músico à sua paixão.

Aos 28 anos, além do precioso acervo, o famoso compositor partiu com suas mãos completamente deformadas pelo exercício compulsivo e incansável. Sim, ele tinha um dom, não se pode negar. Mas sem a disciplina férrea, a obsessão pela música, o acesso que seu pai lhe deu, poderia não ter passsado de apenas mais um jovem talentoso.

Infelizmente que essa ideia não vende; o próprio filme Amadeus prefere a versão da genialidade gratuita e impossível; ela nos conforta mais como seres humanos e nos redime do esforço, afinal, não nascemos gênios. Hábitos, exercícios e sacrifícios são muito chatos. Acreditar em genialidade é muito mais confortável, como explica esse outro livro aqui.

Twyla enfatiza também o quanto os rituais são importantes para se definir hábitos. Morando em New York, ela conta que acorda todos os dias às 5h30, veste-se, sai de casa, pega um táxi e vai até seu estúdio para se exercitar. É claro que ninguém (nem ela mesma) gosta de sair da cama a essa hora da madrugada, especialmente no inverno. O jeito é fazer tudo automaticamente, como se estivesse escovando os dentes. E a chave do ritual, por incrível que pareça, está em chamar o táxi. Porque, depois disso, não tem mais volta; ela tem que ir.

Twyla relata rituais de profissionais de várias áreas; pintores que precisam de uma playlist para trabalhar, chefs de cozinha que precisam molhar a horta antes de começar o dia, e até Igor Stravinsky, que tocava uma peça de Bach antes de qualquer coisa. Você também deve ter os seus, dê uma reparada. Os rituais amarram o hábito e fazem com que ele se torne mais fácil e familiar.

Essa incrível mulher fala também sobre medos, sobre seu interessante hábito de colocar todas as informações sobre um projeto (incluindo inspirações) numa caixa de papelão, sobre imprevistos, sobre sua experiência como coreógrafa e que só se sentiu no perfeito domínio de sua profissão quando conseguiu apresentar seu 128° trabalho.

Gostei especialmente da fala dela sobre a prática da leitura. Ela diz que lê por várias razões, e o prazer é a última delas.

Ela lê para adquirir vantagem competitiva e cita Mark Twain: “uma pessoa que não lê não tem nenhuma vantagem sobre uma pessoa que não sabe ler“. Essa doeu, hein?

Ela lê para crescer e se desenvolver, pois acredita firmemente que a diferença entre a pessoa que você é hoje e a pessoa que você será daqui a cinco anos depende de dois fatores: as pessoas que você encontra e os livros que você lê.

Mas principalmente, ela lê para se inspirar. 

Recomendo o livro para todo mundo que tenha interesse no assunto (na verdade, todo mundo que produz algo, pois o conteúdo é útil sob vários pontos de vista); ainda tem vários exercícios de criatividade bem fáceis de se praticar.

Como já dito, o hábito de ler é ótimo e recomendo esse livro para todo mundo. E olha que nem precisa saber dançar…

Top 10 de janeiro: inverno em Berlim

Esse mês temos bastante neve e frio, mas isso não significa que todas as fotos sejam propaganda de sabão em pó que lava mais branco. Tem coisinhas coloridas também, pois olhos precisam de diversidade.

Dá uma olhada aí e escolha sua favorita!

Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra pássaros pousados sobre a grade que margeia o canal do rio Spree. Ao fundo, o Märkisches Museum, que conta a história da fundação da cidade de Berlim. — at Reederei Riedel Märkisches Ufer.
1. Essa foto fez tanto sucesso que foi parar na página do Märkisches Museum, que aparece ao fundo. O dia estava lindo. Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra pássaros pousados sobre a grade que margeia o canal do rio Spree. Ao fundo, o Märkisches Museum, que conta a história da fundação da cidade de Berlim. — at Reederei Riedel Märkisches Ufer.

Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra um prédio todo grafitado em cores fortes, visto de baixo. As sacaras têm grades com linhas finas de ferro. No detalhe em primeiro plano, o teto da sacada mostra um submarino. At Kreutzigerstraße.
2. Tenho muitas fotos desse prédio, mas não resisto fotografá-lo novamente toda vez que passo em frente. Pelo jeito, o povo que frequenta as minhas redes também o acha irresistível. Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra um prédio todo grafitado em cores fortes, visto de baixo. As sacaras têm grades com linhas finas de ferro. No detalhe em primeiro plano, o teto da sacada mostra um submarino. At Kreutzigerstraße.

 Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra a estação de metrô Biesdorf-Süd toda cercada por neve, exceto por um homem e seu cachorro branco. — in Biesdorf Süd, Berlin, Germany.
3. Eu gosto dessa foto porque, se a pessoa não prestar muita atenção, não vê o peludinho que está indo passear. Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra a estação de metrô Biesdorf-Süd vazia e toda cercada por neve, exceto por um homem e seu cachorro branco. — in Biesdorf Süd, Berlin, Germany.

Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra pessoas atravessando a rua coberta de neve. Em contraste com o frio intenso, os prédios nas laterais são pintados com cores quentes, como vermelho, laranja e amarelo. — at Eberswalder Straße.
4. Essa é a minha preferida do mês; uma nevasca bem forte e eu me sentindo dentro de um filme. Ao vivo o cenário é ainda mais lindo! Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra pessoas atravessando a rua coberta de neve. Em contraste com o frio intenso, os prédios nas laterais são pintados com cores quentes, como vermelho, laranja e amarelo. — at Eberswalder Straße.

Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra uma pessoa caminhando por um parque cujo chão está coberto de neve. A luz do sol penetra por entre os galhos secos das árvores formando sombras. — at Berlin Alte jakobstrasse.
5. Estava indo para a ginástica quando dei de cara com esse solzinho maravilhoso… Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra uma pessoa caminhando por um parque cujo chão está coberto de neve. A luz do sol penetra por entre os galhos secos das árvores formando sombras. — at Berlin Alte Jakobstrasse.

Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra a luz do sol sobre um vaso de tulipas brancas e vermelhas colocadas em uma mesa na calçada. As pétalas ficam transparentes e as pessoas caminham na calçada felizes com o calorzinho visual, já que as temperaturas são negativas. — at Kastanienallee.
6. Os dias de sol no inverno são impossíveis de lindos! Os cafés já ficam todos floridos, como esse aqui que colocou tulipas para alegrar a calçada. Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra a luz do sol sobre um vaso de tulipas brancas e vermelhas colocadas em uma mesa na calçada. As pétalas ficam transparentes e as pessoas caminham na calçada felizes com o calorzinho visual, já que as temperaturas são negativas. — at Kastanienallee.

Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra um carro antigo visto de frente (acho que é um Citröen) todo estampado com flores do campo. Na capota, o desenho de uma moça de cabelos pretos segurando uma rosa vermelha. O veículo é do restaurante francês Paulette, que fica no local onde ele está estacionado. Primavera ambulante � — at Knaackstraße.
7. Quem não queria dar uma volta numa belezinha dessas? Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra um carro antigo visto de frente (acho que é um Citröen) todo estampado com flores do campo. Na capota, o desenho de uma moça de cabelos pretos segurando uma rosa vermelha. O veículo é do restaurante francês Paulette, que fica no local onde ele está estacionado. Primavera ambulante � — at Knaackstraße.

Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra um homem de costas na margem do rio Spree distribuindo pedaços de pão para os pássaros que frequentam o lugar. Enquanto uns voam nervosos em todas as direções, outros aguardam calmamente sua vez pousados na grade de ferro. O dia está lindo. — at Reederei Riedel Märkisches Ufer.
8. Toda vez que chego perto de um lago ou na margem do rio me lembro que devia ter trazido pãozinho para os cisnes, patos e passarinhos. Ainda bem que o moço da foto se lembrou.Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra um homem de costas na margem do rio Spree distribuindo pedaços de pão para os pássaros que frequentam o lugar. Enquanto uns voam nervosos em todas as direções, outros aguardam calmamente sua vez pousados na grade de ferro. O dia está lindo. — at Reederei Riedel Märkisches Ufer.

Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra uma marina completamente vazia porque as águas do lago congelaram. Árvores emolduram a paisagem e o sol está baixo como se fossem cinco da tarde no Brasil. — at Am Pichelsee.
9. Nunca tinha visto uma marina sem nenhum barco. Fica lindo também! Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra uma marina completamente vazia porque as águas do lago congelaram. Árvores emolduram a paisagem e o sol está baixo como se fossem cinco da tarde no Brasil. — at Am Pichelsee.

Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra um Citröen antigo estacionado na rua. O vermelho intenso do carro da mesma cor dos detalhes da cerca de proteção atrás contrasta com a neve que cobre tudo. — at Volkspark Schöneberg
10. E esse vermelhinho, não está parecendo um Papai Noel? Rsrsrs… Descrição para deficientes visuais: a imagem mostra um Citröen antigo estacionado na rua. O vermelho intenso do carro da mesma cor dos detalhes da cerca de proteção atrás contrasta com a neve que cobre tudo. — at Volkspark Schöneberg

 

Dois crimes regionais

A imagem mostra as capas dos dois livros resenhados.

Já comentei aqui algumas vezes que os alemães amam histórias policias e que as livrarias têm seções enormes dedicadas ao gênero. Essa semana tive oportunidade de ler duas histórias muito bacanas que vale a pena compartilhar.

O primeiro, “Winterkartoffelknödel“, de Rita Falk, é bem engraçado. O protagonista é um policial de Munique transferido para sua cidade natal, um Dorf (cidadezinha pequena, lugarejo, em alemão) onde passa a morar com sua avó e pai e trabalhar na pacata delegacia. A mãe dele morreu no parto, motivo pelo qual o irmão mais velho nunca o perdoou. O pai não se casou de novo e mora com a avó do rapaz, maníaca por liquidações. A história é engraçada principalmente porque narra a rotina num Dorf, as compras, as comidas (a propósito, “Winterkartoffelknödel” que dá título ao livro é um prato típico feito com batatas — algo parecido com um nhoque, só que com bolinhas menores e em formato de arroz), as relações entre as pessoas, enfim, um retrato bem-humorado do alemão médio que mora no interior.

O moço é meio lento e a resolução do crime propriamente dito não é das mais originais, além do que fico com muita raiva quando o protagonista deixa seu cérebro derreter ao ver um rabo de saia. De qualquer maneira, vale para se divertir e reconhecer as lojas, supermercados, hábitos e costumes do povo. Fez tanto sucesso que, pelo que pesquisei, virou até série de TV.

O segundo, “Das tote Zimmermädchen vom Bahnhof Zoo” (tradução livre: “A morte da camareira da estação Zoo”), de Rainer Stenberger e Ulrich Sackenreuter é uma das coisas mais geniais e bem boladas que vi ultimamente. Dois amigos, Percy Michalak e Alexander Diel estavam um dia no metrô quando tiveram a seguinte ideia: por que não escrever um livro de bolso que fornecesse informações interessantes sobre as estações de metrô e seus arredores, ao mesmo tempo que contasse uma história policial intrigante? Pois a dupla montou uma editora especializada nesse tipo de livro, a Ubahn Cops e convidou a dupla de autores, conhecidos e premiados roteiristas de cinema e TV para escrever as histórias.

O resultado é incrivelmente bem feito e impagável: uma mistura de guia de viagem com romance policial. Pelo que vi, eles já têm 3 volumes. Comprei o da Bahnhof Zoo porque fala da U2, a linha que passa pela minha casa e, por motivos óbvios, a que mais frequento.

A história começa quando o comissário de polícia Milan Makrovic se junta com o funcionário Oliver Dings, da BVG, empresa municipal de transportes, para resolver um crime. Eles passam por várias estações, comem Curry Wurst e Donner Kebab (pratos típicos daqui) comentam sobre as diferenças entre os kiosques, observam os passageiros, enfim, parece que você está andando com a dupla pela cidade. Há mapas, curiosidades e notas interessantes sobre cada estação e suas imediações (por exemplo, o sino que toca no Estádio Olímpico, no final da linha, é uma gravação do sino da igreja destruída na II Guerra e mantida assim). A história é muito bem contada, os personagens, hilários, são muito bem construídos, enfim, tudo perfeito (vou comprar os outros volumes: Alexanderplatz (U8) e Kottbussertor (U1)).

O único porém: até onde sei, só existe a versão em alemão. Está certo que o mercado interno é grande consumidor de literatura policial, mas se a coleção é voltada para turistas, fica faltando pelo menos a tradução para o inglês. Quem sabe…

 

Ajudando você a decidir

A imagem mostra uma pessoa sentada num banco. Ela é vista de costas, de frente para um amplo gramado num parque.

Já conhecia os irmãos Chip e Dan Heath do excelente e imperdível Switch, então não titubeei quando vi Decisive: how to make better decisions in life and work; sabia que vinha coisa boa.

Nesse livro, os irmãos analisam como tomamos decisões e de que maneira podemos melhorar esse processo.

Eles começam dizendo o que todos os autores sobre o tema concordam: o ser humano toma quase todas as decisões de maneira intuitiva, não racional. Outra constatação é que se dá muita importância aos fatos que mais se sobressaem. Eles usam uma metáfora ótima, a do holofote. Muitas vezes, quando vamos tomar uma decisão, a gente só presta atenção no que está sendo iluminado e acha que aquilo é absolutamente tudo o que se sabe sobre o assunto, quando, na verdade, há muita informação escondida nos bastidores, ou até mesmo nem tão escondidas, mas que estão apenas na parte do palco que não está sendo holofoteada no momento. Essa limitação de visão muitas vezes prejudica uma noção mais completa e equilibrada sobre o tema que está sendo tratado (e decidido).

Os dois conseguiram identificar então o que fica menos evidente no grande palco das decisões, que chamam de os quatro grandes vilões da tomada de decisão:
1. escolhas reduzidas
2. viés da confirmação
3. emoções do momento
4. excesso de autoconfiança

1. Escolhas reduzidas
Apesar, de relativamente óbvia, para mim essa foi uma das mais impressionantes. Os irmãos Heath afirmam que muitas vezes a gente erra na tomada de decisão porque insiste em enxergar a situação como uma equação binária, onde a resposta só pode ser sim ou não. Já tinha lido a respeito das limitações que essa mania pode causar nesse livro aqui, mas fiquei chocada em saber que 65% das decisões dos adolescentes americanos (que, teoricamente, teriam um mundo de possibilidades) são do tipo trade-off (sim ou não). É “vou ou não vou na festa”, “compro ou não compro esse telefone”, “termino ou não termino com meu namorado(a)”. O mundo das decisões vai muito além, a gente é que não percebe quando coloca os problemas dessa maneira. Olha só esse exemplo: perguntaram para um grupo de pessoas se, ao confrontadas com uma superoferta de um vídeo de um filme com seu ator/estilo favorito por $14.99, elas fariam ou não a compra. A questão foi apresentada de duas maneiras. A primeira era assim:

(a) compra o vídeo
(b) não compra o vídeo

Como resposta, 75% das pessoas comprariam o vídeo.

Agora, a questão foi apresentada de outra forma:

(a) compra o vídeo
(b) não compra o vídeo e gasta os $14.99 para comprar outras coisas

É incrível, mas com as opções apresentadas dessa maneira, 45% das pessoas não comprariam o vídeo. Foi somente lembrar que o dinheiro poderia ser usado para outros fins; prova de que a gente esquece completamente esse detalhe.

O mesmo aconteceu com um rapaz se torturando para decidir entre comprar um aparelho de som de $1000 da Pioneer ou um mais simples de $700 da Sony. O mais caro tinha mais recursos e ele não conseguia se decidir. Até que um vendedor iluminado apresentou a questão dessa maneira: você prefere um equipamento com mais recursos ou um outro bom (mas não excelente) e mais $300 de música? Para ele ficou claro que mais músicas tinham mais valor que um controle melhor dos baixos e agudos.

Enfim, o fato é que até CEOs de grandes corporações tomam decisões como se fossem adolescentes. Eles normalmente colocam a questão “compro ou não compro tal empresa” em vez de considerar que o valor investido na compra poderia ser usado em outros investimentos. A dica, então, é sair da armadilha da resposta binária e buscar respostas com combinações mais ricas. Essa vou levar para a vida.

2. Viés da confirmação
É fato conhecido que, quando a gente tem uma opinião, toda nossa atenção é voltada a notícias, fatos e eventos que confirmem isso. O fenômeno das redes sociais e os resultados das eleições estão aí para provar. A gente se cerca de pessoas que pensam de maneira parecida numa espécie de bolha e acaba acreditando que todo mundo vê o mundo como nós. Isso limita seriamente a avaliação do cenário de uma maneira mais ampla na hora de tomar decisões. Não queremos ouvir opiniões contrárias e cada pequeno acontecimento só existe para confirmar que aquela era a decisão mais acertada, mesmo quando não é. Sobre isso, em breve vou resenhar aqui o ótimo livro “The hallo effect” que está na minha lista faz tempo.

Por ora, as dicas dos irmãos Heath são:

• facilite/incentive as pessoas discordarem de você
• considere questões que contrariem suas informações
• considere o oposto do que você pensou

Outra recomendação é fazer pequenos experimentos para testar suas teorias antes de tomar a decisão final.

3. Emoções do momento
Decisões por impulso, no calor das emoções, em geral, não são as mais acertadas. A primeira coisa que a gente deve fazer, segundo os autores, é tomar alguma distância. Isso pode ser feito de várias maneiras como, por exemplo, analisando do ponto de vista de um observador externo (como Fulano de Tal tomaria essa decisão?) e pedindo opiniões de pessoas em quem você confia ou que já passaram por situação parecida. É importante lembrar que temos aversão a perdas e nos sentimos mais seguros com situações que nos são familiares, mesmo que não muito confortáveis; isso pode prejudicar muito a tomada de decisão. Outra dica é pensar nas consequências dessa deliberação daqui a 5 ou 10 anos.

Mais uma questão a se considerar é o autoconhecimento; quais são suas prioridades, princípios, valores, objetivos e aspirações de longo prazo? Muita gente não tem respostas claras para essas perguntas, o que as leva a tomar decisões erradas com frequência.

4. Excesso de autoconfiança
Pois é, todo mundo conhece a história do executivo da gravadora Decca Records que recusou gravar os Beatles alegando que bandas de quatro componentes eram ultrapassadas e aquele estilo de música não iria fazer sucesso; de Harry Warner, executivo da Warner Bros afirmando que o cinema mudo era ótimo e que ninguém gostaria de ver os atores falando; ou ainda, William Orton, da Western Union Telegraph Company que declinou a compra da patente do telefone porque considerava o invento apenas como um brinquedo sem utilidade. A história está cheia de profetas mal sucedidos. O que aconteceu nesses casos? As pessoas não conseguem compreender que o futuro não é um ponto com um único cenário e as variáveis são muitas. Uma frase que resume bem a questão, pois pode ser interpretada de várias maneiras, todas muito úteis: “a gente não sabe o que a gente não sabe”.

Para esses casos, há que se admitir que a gente simplesmente não sabe o que vai acontecer. Os autores recomendam usar um fator de segurança no caso de decisões mais ousadas (eu colocaria a questão de outra maneira: se a gente não conhece o futuro, convém considerar fazer gestão de riscos).

Um dos muitos casos interessantes que eles compartilham é a da loja online de sapatos Zappo, que tem uma excelente reputação de atendimento ao cliente. Eles entrevistam os candidatos tentando realmente descobrir se eles se alinham com os valores da empresa. Independente do cargo, todos começam no atendimento ao cliente e ficam lá por pelo menos uma semana. No final do período de treinamento, o candidato é convidado a uma reunião onde a seguinte oferta é feita: se ele não acredita do fundo do coração que aquele é realmente seu lugar, que será feliz na empresa, que fará diferença, a Zappos lhe dará $ 4 mil e ele pode ir embora sem ser questionado. Cerca de 2% dos candidatos aceita a oferta. Todos saem satisfeitos, economizam seu tempo e dinheiro. Todos ganham. Achei inteligente.

O livro tem uma série de outros exemplos e considerações e acredito que seria uma excelente decisão de sua parte escolher lê-lo.

Para ter um cérebro mais florido

a imagem mostra um jardim florido.

Sabe aquelas coisas que são óbvias, mas a gente nunca pensa a respeito? Mas aí lê um texto que faz absolutamente todo sentido? Foi o que aconteceu quando li “Your brain has a ‘delete’ button: here’s how to use it”, de Judah Polack e Olivia Fox. Veja que interessante.

Os pesquisadores começam reafirmando as bases científicas do que a gente observa na prática: quanto mais a gente exercita uma tarefa ou uma área de conhecimento, mais as conexões neuronais sobre esse tema são reforçadas. É claro que a gente sempre precisa buscar elementos novos para ampliar nosso repertório, pois só assim é possível fazer novas conexões e pensar de maneira mais ampliada; mas reforçar o que já se sabe também é importante.

Polack e Fox usam uma metáfora que achei muito interessante: nosso cérebro é como um jardim. Você planta coisas novas, mas também tem que cuidar das árvores que já estão lá. E esse lugar florido dentro da nossa cabeça tem uma equipe de jardinagem e paisagismo que cuida para que tudo funcione da melhor maneira; as células Gliais fazem esse trabalho. Elas arrancam as ervas daninhas, podam o que precisa e jogam fora as folhas velhas. Ou seja, elas mantêm o jardim limpo e organizado para que a gente possa ter as melhores condições para criar novas conexões e manter as que são importantes.

Essa faxina acontece toda vez que a gente dorme e pode ser tão completa que em alguns casos, podemos ficar com apenas 40% das conexões que tínhamos quando fomos dormir. O lixão todo é eliminado para a gente conseguir pensar de maneira clara e organizada (isso explica porque a gente não consegue pensar direito quando não dorme o suficiente; é porque a cabeça está literalmente bagunçada, lotada de porcarias).

Ok, mas a grande questão é: como é que as células Gliais sabem o que é para podar, o que é para deixar como está e o que é para jogar fora?

Bom, aí temos uma pista interessante; os pesquisadores descobriram que algumas sinapses neuronais são marcadas por uma proteína chamada C1q. Quando as microcélulas Gliais estão fazendo a inspeção rotineira e detectam essa proteína, elas já sabem o que fazer: podam, ou melhor, destroem essa conexão neuronal para liberar mais espaço para novas conexões, ou seja, para que a gente possa aprender mais coisas.

Mas como é que essa proteína vai parar lá?

Bem, ela é assim, digamos, o equivalente a um fungo, bolor ou teia de aranha. Ou seja, aparece em lugares onde ninguém entra, ninguém usa, estão abandonados por muito tempo.

Assim, se você teve aulas de francês há cinco anos e nunca mais praticou, pode ter certeza que a maioria das conexões que você criou na época já foram podadas e recicladas para dar espaço a novos aprendizados. Para manter o jardim com as flores que você quer, tem que prestar atenção em quais você está regando todo dia.

Os autores deixam uma pergunta muito instigante para nos fazer refletir: se você gasta todo o seu tempo pensando em Game of Thrones e quase nada pensando no seu trabalho ou num projeto importante, quais das conexões você acha que o cérebro vai mandar para reciclagem na próxima faxina?

Bom a gente dar uma verificada para ver se não está colocando adubo em mato e deixando as flores morrerem.