Criatividade sem inovação

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O design é irmão da inovação. Não diria que é o pai porque a inovação nasceu bem antes do design (ela nasceu com o mundo: ele, com a revolução industrial). Também não dá para dizer que a inovação é a mãe do design porque há montes de projetos onde os genes inovadores são flagrantemente recessivos. Fiquemos então assim: são irmãos ligadíssimos, unha e cutícula. Pois, no Brasil, um vive chorando no colo do outro porque estão os dois sem pai nem mãe.

Digo isso baseada no excelente ensaio do prestigiado Clemente da Nóbrega na Época Negócios de outubro de 2007 (aliás, essa revista tem se revelado uma agradável surpresa num segmento até então dominado pela jurássica Exame). O título roubou minha atenção já na banca: “Por que o Brasil é ruim de inovação?” (leia o artigo na íntegra aqui).

Tentando responder porque o Brasil ocupa um longínquo 40° lugar em um ranking mundial organizado pelo prestigiado INSEAD, Nóbrega nos conta que depois de mergulhar em muitos estudos e estatísticas, chegou a conclusões bem tristes sobre a predominância do conservadorismo nas nossas empresas. Simplesmente não há ambiente para inovação no Brasil; o risco é desproporcional aos ganhos. Mas vamos por partes, a fim de que a linha de raciocínio fique mais clara.

Nóbrega comparou atributos de países líderes em inovação e descobriu que os inovadores são ricos de uma maneira muito semelhante. Já os não inovadores são pobres de maneiras diferentes.

Vejamos algumas características que fazem toda a diferença. Primeiro, nos inovadores (e ricos) há um alto nível de confiança nas relações interpessoais. Isso quer dizer que a cooperação com base na reciprocidade está fortemente arraigada na cultura do lugar. Em outras palavras, as pessoas recebem proporcionalmente ao que dão. Não se tolera alguém receber por algo para o qual não contribuiu; da mesma forma, não se admite que alguém que contribuiu não receba a sua justa parte. O outro nome para essa regrinha básica de civilidade é meritocracia, onde é imoral pegar carona no esforço de outrem. E inovação é esforço, risco. Quanto mais radical a inovação, mais alto é o risco de acabar com uma empresa falida e cheia de dívidas. Se você não tem garantias que receberá uma retribuição à altura dos resultados que conseguir, para que se arriscar tanto?

Esse traço acaba dando origem a outro. Como o sucesso nos países não inovadores está desvinculado do esforço pessoal (inclusive, aqui é muito feio a pessoa ficar rica à custa de seu próprio trabalho – ela é acusada de ser “dazelite”), essas sociedades, em vez de preferirem gestões mais pragmáticas e racionais, tendem a abraçar o oculto e o mágico, os grandes líderes carismáticos e populistas.

Isso faz com que o Brasil lidere um ranking que, de nenhuma forma pode ajudar a melhorar o quadro: o grau de desconfiança. Em uma pesquisa realizada em vários países do mundo foi perguntado se a pessoa achava que, em seu país, a maioria das pessoas é confiável. Cerca de 65% dos noruegueses responderam que sim. Os suecos, um pouco mais desconfiados, tiveram 60% das respostas favoráveis. Quanto você acha que foi o índice dos brasileiros? Sente-se primeiro, pois vai doer: apenas 3% (isso mesmo, três em cada cem) dos brasileiros acha seus compatriotas confiáveis. É mole?

No excelente artigo há ainda um esclarecimento sobre o termo tecnologia no âmbito dos estudos da inovação. Há, segundo o autor, dois tipos de tecnologia: as físicas e as sociais. As físicas são aquelas que a gente pensou logo que leu a palavra tecnologia – ferramentas e conhecimentos que tornam possível a construção de uma estação espacial ou um iPhone, por exemplo.

As tecnologias sociais são maneiras de organizar as pessoas para colaborarem em empreendimentos comuns: linhas de montagem, sistemas de gestão, franquias, leis, etc. Para Nóbrega, as tecnologias sociais são mais importantes que as físicas para a inovação, já que as primeiras podem ser compradas, mas as segundas, não, pois são dependentes da cultura. Se o país não possui tecnologias sociais, ele fica dependente de gênios para gerar invenções que quem sabe, um dia, poderão ser utilizadas para gerar riqueza. O autor enfatiza: só um louco pode apostar na proliferação de gênios acima da média para conseguir qualquer coisa.

Uma das tecnologias mais importantes para a inovação é o sistema de leis (não só sua elaboração, mas o seu cumprimento, principalmente). Em um ambiente trambiqueiro, onde as normas sociais não dão suporte à cooperação, as pessoas estão sempre desconfiadas e todo mundo tende a proteger seu próprio traseiro (palavras do Clemente). Todo mundo se acha “esperto” e a corrupção, a desonestidade e a roubalheira acabam sendo normas culturais, com atitudes morais distorcidas do tipo “se eu não fizer, outro faz”.

Pois é, por mais que a FINEP, o CNPq, a CAPES e outros tantos organismos trabalhem e promovam programas para incentivar a inovação, a conclusão é inequívoca: reformar o sistema jurídico e político no Brasil é mais importante para inovação do que investir rios de dinheiro em bolsas, cursos, programas e estudos.

Pois agora…

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

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Publicado originalmente em novembro de 2007.

Direita, volver!

Essa prevenção contra livros de auto-ajuda ainda vai me fazer perder muita coisa boa. O que me salva é que vivo cercada por pessoas inteligentes e bem menos preconceituosas que eu. Olha que sorte: um aluno da pós-gradução (profissional experiente que tem muito mais a me ensinar do que eu a ele) me apresentou um livro daqueles que você fica pensando: como é que eu vivi até hoje sem ler isso?

Trata-se de “A revolução do lado direito do cérebro”, de Daniel Pink. Custei um pouco para achá-lo (nossas livrarias são pródigas em Brunas Surfistinhas e em Paulos Coelhos, mas muito econômicas na variedade de títulos), mas valeu a pena. Com esse nome chinfrim, afundado lá na seção de auto-ajuda, eu jamais teria o prazer de lê-lo sem a intervenção do Jorge.

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Segredo não é para contar

Faz tempo que procuro um livro específico sobre teoria das cores e, como freqüentadora contumaz de livrarias, estou ficando cada vez mais irritada. Olho com cuidado, busco, reviro tudo e necas de encontrar o tal livro. Em compensação, acho o tal “O segredo” em verso, prosa, ilustrado, box de luxo, comentado, capa dura, brochura, light, poster, pocket book e até em DVD. Pirâmides enormes. Cartazes impactantes. Uma verdadeira overdose de indiscrição para uma coisa que se auto-intitula secreta.

Já demonstrei várias vezes aqui a minha resistência assumidamente preconceituosa contra livros de auto-ajuda, mas agora me rebelei e não quero nem saber, resolvi tocar o dedão bem no meio da polêmica.

Não sou nenhuma especialista em filosofia, aliás, meus conhecimentos na área são bem parcos, mas é dela mesma que vou me valer para argumentar. Minha opinião é a seguinte: a auto-ajuda pode até realmente ajudar algumas pessoas (principalmente seus autores), mas, no mais das vezes, contribuem mesmo é para detonar a auto-estima dos incautos. Eu explico.

Assim como o tal “segredo” e tantas outras obras afins, o mantra repetido à exaustão reza que você pode tudo, que mudar a sua vida só depende da sua força de vontade. Se você ainda precisa de ônibus para se locomover, a Playboy não te chamou para posar nua, sua conta bancária não é Personnalité, suas noites de sábado não saem nas colunas sociais, seu marido está te traindo com a vizinha, sua TV não tem 296 polegadas, seus filhos são umas pestes, seu chefe tem mau hálito, você está 15 kilos acima do peso e seu purê de batatas mais parece cola, a culpa é toda sua! Faltou força de vontade! Você não mentalizou o suficiente! Não seguiu os 7 passos! Os livros bradam aos berros (com ou sem ilustrações): sua vida só é uma droga porque você quer! Ou seja, o ser humano normal que não freqüenta a capa da Caras pode escolher entre se achar burro, masoquista ou incompetente.

Então, o que nos resta? Escondida lá no fundo da livraria, a Marilena Chaui, no excelente “Convite à filosofia“, explica que um dos legados mais importantes da filosofia grega para o pensamento ocidental é a formalização da diferença entre o que é necessário (o que não pode ser senão como é) e o contingente (que pode ou não ser). Além disso, os gregos nos ensinaram que o contingente pode ser dividido entre o acaso e o possível.

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A salvação do design

Há apenas uma semana, se alguém me perguntasse que livro eu levaria para uma ilha deserta, responderia, sem titubear, “O jogo da amarelinha”, de Julio Cortazar. É um romance cujos capítulos estão estruturados para serem lidos em qualquer ordem. Cada seqüência que o leitor escolhe gera uma história diferente. Muitos livros em um. Ideal para uma ilha, não é?

Pois agora mudei. Levaria mesmo é o “Aprender a viver: filosofia para os novos tempos”, do filósofo francês Luc Ferry, com o qual estou encantada. Há tempos não encontrava um livro tão transformador. Luc apresenta, de maneira que um leigo consegue entender, nada menos que a história do pensamento ocidental. Finalmente consegui vislumbrar uma ordem nos capítulos de todos os livros sobre o assunto que eu havia lido antes.

O autor não foge à pergunta clássica: “para que serve a filosofia?” Para Luc, a função essencial desse exercício de pensamento é nos dar algum conforto, alguma salvação, algum sentido para a existência, alguma saída para o medo da morte.

Os estóicos, precursores da filosofia grega, acreditavam que a salvação estava no divino (que era o próprio mundo). O universo era belo, perfeito, harmônico e bom. Devíamos nos conformar com tudo o que acontecia conosco, pois o divino assim o queria e a morte nada mais era do que uma transformação. A salvação dependia de cada um descobrir um meio, usando a razão, de se integrar ao universo. Pena que ao morrer, a pessoa perdia a sua identidade para ser mais uma partícula do todo. Não muito animador, mas, enfim, era o que havia.

Depois veio o revolucionário Cristianismo, onde o divino não era mais o universo em si, mas um Ser externo, Deus. Ele prometia a vida eterna, a ressurreição, o reencontro com os entes queridos e, principalmente, a manutenção do indivíduo como um ser único, não mais como uma simples partícula do universo. Mas quanto custaria tanta maravilha? Simples, o cristianismo lhe oferecia tudo isso em troca da sua razão. Para ganhar vida eterna, basta que você não duvide mais, não questione, não pense. Apenas acredite. O preço é a troca da razão pela fé. A responsabilidade agora é de Outro; terceirizamos a nossa salvação.

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Frases da semana

De vez em quando posto aqui algumas frases do viciante Quotes on Design, mas o João Carlos Teixeira me apresentou outro site muito bacana também, com a diferença que os ditos são impressos em cartazes muito bacanas; o único porém é que o site não cita as fontes (coisa feia usar a frase sem citar o autor, mas vá lá…).

Olha alguns que peguei no From up North. Vou tentar compartilhar aqui uma vez por semana (vamos combinar toda segunda?).

Bom design é fazer os outros designers sentirem-se idiotas porque a ideia não foi deles...

Boa arte envia mensagens diferentes para cada um; bom design envia a mesma mensagem para cada um.

As melhores coisas da vida não são coisas...

Você tem a eternidade inteira para pensar dentro da caixa...

Nova tendência: buraco asfaltado

Buraco residente na rua Bocaiúva

Quando eu pensava que já tinha visto tudo a respeito de incompetência administrativa e operacional em cidades, aparece um buraco asfaltado bem na minha rua. Sério, gente. Quando nasce uma depressão no asfalto, até hoje a prefeitura podia fazer duas coisas: 1) ignorar o buraco, como se ela nada tivesse a ver com isso; 2) tapá-lo (ou pelo menos fingir que faz isso), mesmo que seja mal e porcamente como é do feitio de nossas administrações municipais.

Há estradas naturalmente bem maltratadas, como a BR-101, que passa por Florianópolis, por exemplo. Reza a lenda que os buracos são tão grandes e tão numerosos, que eles precisam ficar esperando no acostamento a sua vez de entrar na pista.

Não é o caso da minha rua, onde a maioria das covas são oficiais e autorizadas (aquelas tampas de metal que estragam pneus e fazem carros rebaixados arrastarem a barriga no chão).

Mas agora, já aprendi. Remendos no asfalto e crateras assassinas são coisas do passado; o prefeito, sujeito moderno e antenado que é, decidiu inovar: asfaltou o buraco. Eu sei que você não está entendendo nada, mas deve ser porque a sua cidade não deve ser tão vanguardista como a minha. Compreendo perfeitamente, afinal, até bem pouco tempo atrás, eu nem sabia que isso era possível (não acredito que essa tecnologia já tenha chegado ao primeiro mundo).

Vou explicar: eles pegam o buraco e passam uma camada de asfalto bem fininha, mas respeitando o, digamos assim, contorno natural da concavidade. Então, o afundamento na rua continua, mas não aumenta. Fica ali, conservadinho, como se tivessem passado uma tinta preta para preservar o trabalho que os caminhões e a chuva caprichosamente construíram.

É isso aí, galera: tapar buracos é coisa do passado. Vamos respeitar os afundamentos, as panelas, as crateras, os “acidentes trânsito-geográficos”, as rachaduras, as concavidades, as rupturas, os vazios, as descontinuidades do caminho. Vai ver, descobriram que deve ser mais social ou ecológico, sei lá.

Podem me julgar e me chamar de elite branca. Mas olha, não gostei da novidade.

Fale com ela

Fotografia: Rob Hefferan

As pessoas costumam usar a correria e a pressa para justificar a falta de educação. Mas por que, se o tempo é igual para todos, alguns ainda teimam em continuar bem-educados levando em consideração as outras pessoas enquanto a maioria segue hipnotizada pelo próprio umbigo?

Quer um exemplo? Muitos me pedem propostas urgentes para levar para uma reunião. Eu as envio dentro do prazo solicitado e nunca mais tenho notícias. Preciso ficar fazendo a chata para saber se o documento foi recebido. Pois em algumas situações fico surpresa ao saber que não só chegou, como foi para a tal reunião e já estão discutindo até datas. Só que ninguém me avisa.

Aconteceu esses dias novamente – precisando de uma consultoria jurídica, liguei para a secretária e enviei uma carta enorme explicando toda a situação. Precisava de uma resposta com certa urgência; assim, depois de dois dias, resolvi ligar para ver como estava a coisa. Pois a competente moça já tinha encaminhado a correspondência conforme o prometido e o caso já estava sendo analisado – só se esqueceu de me avisar. Fico me sentindo mal educada ao inserir sempre uma frase nos e-mails pedindo confirmação de recebimento, mas no mais das vezes nem mesmo isso tem funcionado.

Andei passando por uma reforma em casa (arghhh…) e aconteceu de novo: pedi que a instalação da cozinha fosse antecipada, a pessoa que me atendeu anotou e nunca mais soube de nada. Até que na véspera do dia que eu tinha solicitado, recebo uma ligação do instalador perguntando se estava mesmo tudo confirmado e ele poderia vir no dia seguinte. Ora, e eu achei que eles tinham até se esquecido! Por que não me avisaram que tinha dado certo?

Isso sem falar nos fornecedores que fazem sua agenda ficar refém da deles; juram que vão aparecer de manhã cedinho, no primeiro horário, e surgem no dia seguinte, com 24 horas de atraso, vestindo a usual cara de paisagem como se nada tivesse acontecido. Se você pressiona, eles dão alguma justifica vaga, mas custava telefonar ou mandar um torpedo avisando que a filha do sobrinho da vizinha da sua avó torceu o pé? Por acaso lá em Marte não tinha sinal de telefone?

Claro que tem uma raça que recebe as mensagens, ligações e correspondências e se finge de morta, mesmo que tenha sido ela mesma quem solicitou. Gente que não tem o menor respeito pelo tempo alheio (e o pior é que essa “comunidade” se multiplica a velocidades assustadoras). Pessoas que pedem coisas não muito triviais como conselhos, opiniões, pareceres, bibliografias e, depois do trabalhão que tenho para respondê-las, não são capazes de retornar um ok (eu nem estava pensando em um obrigado básico). Essas não tem jeito mesmo, a maioria “não tem tempo para ler”*, então nem passa por aqui (exceto quando está querendo algum favor, naturalmente).

Estou falando daquela gente que trabalha, é responsável, competente e que está fazendo exatamente o que foi combinado, só que não se lembra de comunicar isso para o cliente, o chefe, o namorado, o amigo, o professor ou qualquer pessoa que seja impactada pelo fato em questão. Não pode ser tão trabalhoso assim responder ok ao receber uma mensagem ou ligar para dizer que vai se atrasar.

É só pensar: a criatura do outro lado da conexão não é telepata e nem adivinha. É uma pessoa, como você. Fale com ela.

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* Adoro essas figuras que olham bem sérias para mim e dizem que não têm tempo para ler. Me chamam de desocupada na cara dura..rsrsrsrs…

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

Parece, mas não cai

Fazia tempo que eu não mostrava aqui mais um exemplar de estante intrigante; mas agora achei essa aí toda tortinha e charmosa e não resisti. Ideal para quem tem poucos livros, a linda aguenta até 55 kg de peso sem vacilar. Dá para montar e desmontar sem ferramentas e os cubos se encaixam para o transporte. Ideia inspirada do designer colombiano Alejandro Gomez Stubbs, do estúdio Malagana.

Achei lá no Voxel Show.