Design emocional

Donald Norman, um dos sujeitos mais polêmicos da história do design, publicou, em 1988, o icônico “The design of everyday things”, onde tascava a língua nos objetos que não eram funcionais (com razão, diga-se de passagem). Tudo girava em torno da funcionalidade e da usabilidade, da função e da forma, de maneira completamente lógica e desapaixonada.

Mas Norman é um sujeito curioso e muito, muito estudioso. Ele se embrenhou pela área da ciência cognitiva para enfrentar as críticas dos designers, segundo ele mesmo, merecidas, de que, pelo livro dele, os objetos seriam todos muito úteis e usáveis, mas muito, muito feios também.

No ótimoEmotional Design: Why We Love (or Hate) Everyday Things“(tradução livre: “Design emocional: porque adoramos (ou detestamos) os objetos do dia-a-dia”), Donald admite que só agora compreende o quanto a emoção é importante para a vida da gente. Funcionalidade e usabilidade continuam imprescindíveis, é claro, mas sem diversão e prazer, alegria e entusiasmo, e até ansiedade e raiva, medo e fúria, nossas vidas seriam um tédio. O moço também começou a prestar atenção na questão estética, na atratividade e na beleza (por que as pessoas “sérias” têm tanta vergonha de dizer que adoram coisas bonitas?).

Norman se deu conta de que ele estudava a ciência da cognição como um verdadeiro CDF, mas deixava a estética e a emoção de lado. E havia um paradoxo entre seu eu científico e seu eu pessoal, digamos assim (o sujeito curte muito visitar galerias de arte e concertos).

Ele reparou que tinha em casa uma coleção de bules de chá caríssimos, sendo a maior parte deles impossível de ser usado (Norman prefere uma chaleira japonesa sem nenhum glamour para o dia-a-dia). Os bules, para ele, são esculturas artísticas; é um bálsamo olhar para seus tesouros todo dia quando acorda. Cismado com a questão, juntou a ciência e a psicologia da cognição, o design, a engenharia e a ciência da computação para achar uma resposta para esse enigma. E achou.

Norman descobriu que nosso processamento interno acontece em 3 níveis de estrutura do cérebro: visceral, comportamental e reflexivo.

visceral é onde as coisas acontecem automaticamente, de maneira pré-programada geneticamente. Nesse nível, os  julgamentos são rápidos: bom ou mau, seguro ou perigoso.

A estrutura é biologicamente projetada para ampliar as chances de sobrevivência e fundamenta o comportamento afetivo. Esse nível é incapaz de raciocínio; é uma programação genética que desencadeia afeto positivo para situações e objetos que oferecem alimento, calor ou proteção, tipo lugares aquecidos e bem iluminados, sabores e odores doces, cores alegres, matizes saturados, sons tranquilizadores, melodias simples, carícias, rostos simétricos e sorridentes, objetos lisos e arredondados, sons e formas sensuais. Em contrapartida, há condições pré-determinadas que favorecem o afeto negativo automático: alturas, sons altos ou estridentes, luzes fortes, calor ou frio extremos, escuridão, ambiente denso ou atravancado, multidões, cheiros de podridão, alimentos ou corpos em decomposição, sabores amargos, objetos pontiagudos ou assimétricos, corpos deformados, etc.

O nível comportamental é que controla a maior parte das nossas atividades do dia-a-dia e suas ações podem ser influenciadas pelo nível superior (reflexivo) e influenciar o inferior (visceral). É o que permite, por exemplo, que você não gaste todo o seu cérebro enquanto dirige seu carro; você pode dirigir, pensar nas tarefas do dia e cantarolar uma música graças a ele. Os profissionais altamente treinados usam bastante esse nível, que não é consciente. Assim, os dedos de um pianista experiente praticamente se mexem sozinhos enquanto ele pode refletir sobre a música que está tocando.

Já o nível reflexivo é o único realmente consciente. É o cognitivo, que permite que a gente aprenda, use as experiências e raciocine sobre as decisões que tomamos, além de comunicá-las a outros. É o nível mais vulnerável às influências externas como a cultura, a experiência, o grau de instrução e as diferenças individuais, podendo, inclusive, anular os outros. Isso explica porque alguns de nós conseguem sentir prazer com situações de medo (esportes radicais) e desdenham abertamente o que é visceral, comum, com forte apelo popular.

Então, tudo o que a gente faz tem componentes cognitivos (reflexão) e afetivos (viscerais e comportamentais). O cognitivo atribui significado; o afetivo atribui valor. Nos níveis inferiores (visceral e comportamental) existe apenas afeto, sem interpretação ou consciência. No nível cognitivo acontece a interpretação, a compreensão e o raciocínio. E se o estado afetivo é positivo ou negativo, muda a maneira como a gente pensa e reflete.

Em estados afetivos negativos, estamos mais propensos ao foco – a gente se concentra sobre um tópico sem se distrair, até alcançar uma solução. Nenhum detalhe escapa, pois esse estado mental é associado à sobrevivência e ao perigo. Já estados afetivos positivos relaxam os músculos e o cérebro; assim a gente pode “viajar”, criar, aprender, ser menos focado e ter uma ideia do conjunto.

No processo criativo do design são necessários os dois estados: no afetivo positivo, a criatividade está liberada; no negativo, é preciso se concentrar nos prazos e na viabilidade. Além disso, pode-se classificar o design em três níveis que influenciam o processo decisório de uma pessoa: o design visceral (aparência, percepção); o design comportamental (prazer e efetividade de uso) e o design reflexivo (auto-imagem, satisfação pessoal, lembranças).

O designer ninja mesmo é aquele que consegue equilibrar os três níveis em um projeto (dá para imaginar que a tarefa não é nem um pouco fácil).

Norman ainda tem muito a dizer no livro, mas não quero me estender mais aqui. Só queria ressaltar que o nível reflexivo do designer que geralmente reprova fortemente as coisas bonitinhas, consideradas banais, triviais e carentes de profundidade e substância, está claramente tentando aplacar a atração visceral imediata por essas coisas. Se a pessoa se aceita, não se revolta tanto com isso, não se incomoda e deixa cada um ser como é. Sempre vejo gente incomodada demais com o fato de uns gostarem de assistir BBB e outros amarem sanduíches do McDonald’s. Qual o problema, galere? Cada um com seu nível de processamento e todos felizes, sem stress.

Norman resolveu isso assumindo publicamente sua paixão visceral pelos bules de chá. Somos todos humanos fundamentalmente viscerais e o nível reflexivo, felizmente, ainda não controla tudo de maneira soberana. Não há porque se negar esses pequenos prazeres em nome de sei lá o quê.

Acho digno.

Faz sentido

Mais umas frases bacanas do ótimo From up North. Bom domingo!

Nuca conte seus problemas para qualquer um. 20% não estão nem aí e os outros 80% ficam felizes que você os tenha.

Segurança é mais que tudo uma superstição. Isso não existe na natureza. A vida ou é um aventura ousada ou não é nada...

O único meio de aceitar um insulto é ignorá-lo. Se você não consegue ignorá-lo, sobrepuje-o, insultando de volta. Se você não conseguir sobrepujá-lo, ria dele. Se você não conseguir rir dele, provavelmente você o merece.

Contículo das cavernas

Tinha me esquecido de seguir os conselhos do mestre Edgar Allan Poe para exercitar a criatividade e o storytelling. É só abrir o dicionário aleatoriamente por 3 vezes e pegar a primeira palavra que aparece em cada vez. Depois, é só montar uma historinha. Para mim vieram dinossauro, infestado e pagar. Vamos lá.

***

O dinossauro Epaminondas tinha acordado com dor de cabeça. Suelen estava muito nervosa e ele previa que em breve um meteoro cairia sobre sua cabeça.

— Epa, não vem com essa conversa de novo de dor de cabeça. Já deu. Vê se descobre porque o Júnior está com a cauda tão machucada. Deve ser bulling na escola, só pode.

— Bulling nada, Su, esse menino está é passando tempo demais olhando as sombras na caverna do Pratão, aquele gordinho metido a esperto.

— Mas eles só ficam comendo rabo de mamute frito e olhando as sombras; não me consta que isso machuque .

— Su, você ainda não notou que o Pratão, é, na verdade, um porcão? Aquele buraco onde ele dorme deve estar infestado de baratodáctilos que fazem a festa no rabo do Júnior. Certeza.

— Tá bom, pode ser. Mas tem que ver issaí. Se a cauda da nossa cria continuar nesse estado, o guri vai pagar mico na escola e aí sim, o negócio tem potencial para virar bulling. Eu bem que falei que ele devia ter feito aquelas aulas de defesa jurássica.

A cabeça de Epaminondas começou a doer mais e ele só teve tempo de ver uma sombra gigantesca se aproximando assustadoramente da caverna.

Para rapazes de bom gosto

Olha, vou confessar que não é muito incomum eu entrar no banheiro masculino por engano. Por sorte, nunca tive que presenciar cenas desagradáveis, mas, por isso, sei muito bem como é a “casinha” deles. É fato também que tem muito moço por aí que não costuma lavar as mãos depois do serviço, mas quase todos apertam a descarga antes de deixar o recinto.

Pois o designer Kaspars Jursons teve uma daquelas ideias óbvias geniais: para jogar água no vaso, é preciso lavar as mãos. A água é reaproveitada com inteligência e todo mundo sai limpinho e feliz da vida com a oportunidade de usar uma pia-urinol linda dessas. Devia ser lei instalar essas coisas em todos os banheiros masculinos. Devia mesmo.

Achei na newsletter do Yanko Design.

Dieta literária: devorando os livros certos

 

Dietrich Schwanitz, em seu “Cultura geral, tudo o que se deve saber” diz que somente a língua nos distingue dos animais e, mais do que a fala, a escrita é a chave para o domínio de uma língua. Falando, a gente pode descrever coisas e pessoas, mas as ideias precisam ser simples porque acompanhar o desenrolar da argumentação exige muita concentração. Por meio da escrita, é possível libertar a linguagem da situação concreta (fatos) e torná-la independente do contexto (ideias). Quando a gente fala, a emoção predomina sobre a objetividade; quando escreve ou lê, desenvolve muito mais a capacidade de abstração.

Beleza. Quer dizer que ler serve basicamente para desenvolver a capacidade de abstração, o que não é pouco se a gente analisar onde isso nos leva: compreender a dimensão e o contexto da encrenca que é esse mundão, o que implica em entender pelo menos o básico sobre como as coisas funcionam e como a gente chegou até aqui; esse passo é fundamental se quisermos mudar a realidade (ou mesmo deixá-la exatamente como está, o que exige esforço igual ou maior).

Por isso, se a gente fosse fazer um paralelo com a pirâmide de Maslow, que mostra as necessidades básicas do ser humano, ou ainda usasse a pirâmide nutricional, que apresenta a base mais adequada à nossa alimentação, poderíamos extrapolar para a construção de nossa pirâmide literária, que apresentaria a estrutura de nossa formação.

Penso que a base da pirâmide deveria ser composta por livros de filosofia, onde a gente conheceria o que já se pensou a respeito e em que pé está o debate (isso tem o pomposo nome de estado-da-arte). Poderíamos comparar ideias, analisar posições e situar nosso papel no mundo, assim como a nossa missão. Poderíamos escolher intencionalmente um comportamento diante da vida com um mínimo de coerência. Filosofia tem a ver com perceber nossa localização no tempo, no espaço e nas ideias. Sem isso, a gente fica vagando por aí sem saber aonde vai e porquê. A religião também pode se prestar a isso, mas para evitar entrar numa fila qualquer não tem jeito: há que se ler e se questionar muito.

Na base deveriam estar também livros de história, que complementam bem a filosofia. Por que certas nações vivem em guerra? Por que alguns povos são mais ricos que outros? Por que a terra é separada em países? Por que falamos português e não mandarim? Coisas básicas e fundamentais para não repetir erros (e votar em certos políticos).

Geografia também seria útil e básico para a gente se orientar. Fico assustada quando conversamos, em postos de gasolina, com motoristas de caminhão que não conseguem entender mapas nem fazem a menor idéia de distâncias ou de pontos cardeais. Eles aprendem o caminho com alguém e o repetem igual a ratinhos de laboratório. Triste, se a gente pensar que o mundo para eles poderia ser tão maior e mais interessante…

Por último, nesse nível, penso que seria importante ter noções de ciências (matemática, física, biologia) e de onde partem as linhas de raciocínio para que as coisas façam sentido. Como manter um corpo minimamente saudável se a gente nem sabe direito como ele funciona? Como se virar num mundo sem saber fazer contas? Conheço pessoas com o segundo grau completo que ainda não captaram o conceito de porcentagem. Muito preocupante.

Acredito que alguém com esse conhecimento essencial já deveria ter as ferramentas básicas para evoluir no mundo e partir para os próximos estágios (seria o equivalente a forrar o estômago com cereais, para dar “sustança”).

No meio da pirâmide, eu colocaria a literatura e as artes em geral em proporções bem generosas, pois que, afinal, são elas que nos fazem humanos. É onde estão os sonhos, as ideias, os cenários reais ou fantásticos. Por meio da literatura podemos viajar, conhecer lugares e viver coisas que nos seriam impraticáveis; conseguimos a proeza de participar e observar ao mesmo tempo; somos capazes de amadurecer e aprender com experiências alheias, verdadeiras ou absurdas. A literatura e as artes tornam possível o impossível, fazendo o mundo ficar absolutamente infinito.

Um pouco mais para cima, no próximo nível, em menor quantidade, penso que poderíamos nos concentrar em livros técnicos, que ajudariam a trabalhar melhor, aprendendo com outros. Certamente, qualquer profissional bem alimentado pelos estágios anteriores teria muito mais repertório para assimilar e aplicar esse conhecimento.

Na última etapa, lá na pontinha, depois de tudo bem mastigado e digerido, ficariam as notícias e atualidades, necessárias para que a gente não se isole do mundo, mas que precisam ser consumidas com comedimento. Notícia em excesso e sem contexto embrutece e anestesia.

É claro que isso é apenas o que eu consideraria como ideal, mas, evidentemente não pratico. Às vezes leio muito mais livros técnicos do que seria saudável e meus conhecimentos de história e filosofia são parcos e insuficientes. Tem dias até que só leio notícias e bobagens. Mais ou menos como uma dieta desequilibrada, onde a salada fica de lado e a gente se entope de batatas fritas e doces. Obesidade literária, alguém já ouviu falar?

Bom, agora, quem sabe, com a ajuda de uma providencial pirâmide, talvez seja possível priorizar e organizar minha dieta literária.

Se você não concorda com a minha, pode fazer ajustes ou construir a sua própria (como seria um nutricionista literário?); pode ajudar a manter a boa forma dos neurônios…

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

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Publicado originalmente em janeiro de 2010.

Design-me

A maluquinha da designer power-ranger-ultra-seven-superpoderosa Bianca Franchini teve uma ideia pra lá de bacana e já angariou muita gente boa para participar (ela chegou a despencar lá de Sampa até Floripa só para trocar umas ideias comigo — achei puro luuuxo!). O projeto é bem ambicioso, mas a primeira parte trata de um portal para os designers saberem tudo o que rola na área: o dsignme.com.

A inauguração vai ser dia 27 de abril (não por acaso, o dia do designer) e quem quiser inaugurar a seção de portfólios é só entrar no site e cadastrar até 8 imagens. A equipe de desenvolvedores vai escolher os 12 melhores para aparecer logo no primeiro dia. Quer uma vitrine chique no úrtimo para mostrar seu trabalho? Vai !

Mesinha mágica

Você é daquelas pessoas fissuradas no cubo mágico? Pois o designer Fabio Teixeira dos Santos, meu aluno na Unisul, pensou na dor dessa gente que custa a encontrar o velho e bom joguinho por aí e bolou uma mesinha mágica chamada KUB+. Você monta na sequência de cores que quiser (que nem o cubo original) e ainda pode esconder coisinhas nos quadradinhos sem preenchimento. Muito charme, bom-humor e diversão garantida na sua casa!

Até onde sei ainda não tem para vender, mas quem quiser ver mais do trabalho do Fabio, é só olhar o portfolio do moço clicando aqui. Está cheio de coisa boa que enche de orgulho a titia aqui, vale a visita!

Seduzir para casar

A imagem mostra uma manequim ruiva exposta numa vitrine. Reflexos coloridos compõem a cena.

Já faz um tempinho o Cláudio, diretor de uma escola profissionalizante no interior de Minas, pediu-me para falar um pouco sobre marketing para escolas. Para ser bem sincera, acredito que o marketing de uma escola não seja assim tão diferente de qualquer outra empresa séria, com uma missão clara e uma visão coerente. Então, vou abordar o assunto de uma maneira que sirva para mais gente que pode estar com a mesma dúvida.

Primeiro, vale a pena revisar o conceito de marketing. Para não chatear a audiência, vamos economizar as referências acadêmicas e definições formais e resumir: marketing é a arte de seduzir para casar; ou seja, é necessário encantar o cliente, mas não para alimentar o ego e aumentar a lista de conquistas – o objetivo final é fidelizar (nada de galinhagem…). Então, o marketing trata basicamente de relacionamentos duradouros.

Bem, se você quer estabelecer um relacionamento com alguém que goste de você, então, primeiro você mesmo precisa se gostar. E ninguém consegue isso sem se conhecer. Passo um, indispensável e fundamental para qualquer negócio é entender sua identidade; descobrir quem se é, sua essência; o conjunto de atributos que faz com que essa organização seja única no mundo. O que é que ela tem de especial? O que tem de igual às outras? Nesse momento, é importante deixar de lado os preconceitos e não fazer juízo de valor. Características não são intrinsecamente boas ou más; o que se vai fazer com elas é que define sua qualidade.

Apesar de parecer fácil, adianto que essa é a parte mais difícil do processo, tema sobre o qual tenho me debruçado há alguns anos. Desenvolvi um método descrito no meu mais recente livro (DNA Empresarial: identidade corporativa como referência estratégica), mas a maneira para se chegar a essa informação não importa muito; o fundamental é que o conjunto de atributos que define o DNA da organização a traduza com a melhor fidelidade possível e um mínimo de distorções.

Ok, já me conheço, sei o que posso usar para seduzir sem enganar ninguém (única forma de manter a sustentabilidade da relação, já que mentir não é uma opção nesse caso). Agora, no passo dois, preciso saber quem me interessa (qual é o nicho de mercado com o qual pretendo me relacionar). Não vale dizer que é “público em geral”; isso é obra de ficção em trabalho de aluno preguiçoso. Pense bem, quem quer seduzir todo mundo passa por figurinha desesperada e pode até conseguir alguma coisa, mas não por longo prazo. É preciso escolher direitinho: estou de olho naquele moreno com sorriso bonito? Então não adianta jogar charme para a festa inteira, né?

Beleza, então ficaremos com o mercado simbolizado pelo moreno. Agora preciso de informações sobre ele, conhecer seu tipo. Converso com os amigos, descubro umas pistas no Facebook e Twitter dele (atenção empresas, não esqueçam que a internê está cheia de segredos preciosos para quem sabe procurá-los). Fico sabendo que ele está de rolo com uma ruiva (concorrência…hum). Preciso conhecer também os talentos da tal ruiva; o que ela tem que eu não tenho? O que eu tenho que ela não tem?

Basicamente, quando a gente fala em conhecer o mercado, está falando na análise do ambiente interno e externo: quais são minhas forças e fraquezas? E as das minhas concorrentes? Quais são as ameaças e oportunidades que vejo no ambiente que podem impactar meu projeto? Ele acabou de sair de um namoro longo, foi traído, mudou de emprego e de cidade? É preciso investigar e estimar o peso dessas variáveis em um futuro relacionamento (comigo!). O mercado está cheio de consumidores com experiências anteriores muito ruins que podem dificultar a abordagem.

Bom, agora já sei quem sou e quem meu pretê é. Conheço minhas concorrentes, sei das qualidades minhas e delas, sei em que terreno estamos todos pisando. Agora é montar uma estratégia para laçar o moço.

E a estratégia consiste basicamente em construir uma marca que proporcione ao gajo em questão uma experiência memorável. Marca é justamente uma entidade criada pelo pessoal do marketing para ser usada como arma de sedução; a marca pinça da identidade da organização alguns atributos que serão usados para esse fim. Bem dizem os consultores Harry e Cristhine Backwith que “sua marca é a verdade sobre você, bem contada!”. Você descobriu que o moço ama olhos azuis e os seus são castanhos? Nem pense em lentes de contato. Melhor pesquisar mais um pouco; você vai acabar sabendo que ele também adora cabelos cacheados (iguais aos seus!). Entendeu a ideia? Use o que você tem de verdade; não dá para sustentar um relacionamento com mentiras bobas, ninguém precisa estudar marketing para saber isso (às vezes parece até que o próprio curso de marketing é que provoca amnésia na pessoa).

Mas construir uma marca não é tão simples quanto parece; longe disso. O rapaz precisa saber que você existe (de preferência, por vários canais diferentes); precisa ouvir falar bem de você (não adianta anunciar por aí de qualquer jeito; ele só vai dar bola se a fonte for confiável); precisa saber o que você está prometendo de valor e, se pelo seu histórico, você realmente cumpre a palavra. Não se pode esquecer que seu visual e suas ações devem ser compatíveis com seu discurso (tem um monte de empresa que posa de ousada com um figurino digno de um convento); sua linguagem e sua maneira de se comunicar precisam corroborar todo o resto.

Aí, depois que o peixe cair na rede, vem a parte mais trabalhosa: cuidar muito bem da relação. Não se esqueça de mimá-lo, surpreendê-lo, cumprir todas as promessas. Precisa continuar com o visual bacana e manter a “interessância”. Cônjuges demandam atenção e carinho constante, não dá para bobear. Convém não esquecer que a ruiva estará sempre de olho, só esperando um deslize seu…

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

Solar

Semana passada fui acompanhar o Conrado no hospital (ele operou o joelho e já está ótimo, se recuperando muito bem), de maneira que foram horas e horas de espera. O que foi ótimo, pois consegui devorar o excelente Solar, do Ian McEwan.

A primeira vez que ouvi falar desse autor foi por causa do livro que deu origem ao excelente filme Desejo e Reparação. Depois li “Na praia” e o fabuloso “Sábado“.

Solar é, na minha opinião, o melhor de todos. Conta a história do físico Michael Beard que ganha o prêmio Nobel antes dos 30 anos e não consegue produzir mais nada de notável depois disso. Ele vive da fama e assume cargos apenas para emprestar prestígio aos projetos. Egoísta e misantropo de carteirinha, esse gordo, devasso e covarde senhor de 53 anos começa o livro no final de seu quinto e fracassado casamento. O sujeito é tão sem noção que é impossível não achar engraçado.

Por uma série de acontecimentos convenientes (para ele), o protagonista acaba se envolvendo num projeto de desenvolvimento de uma nova tecnologia para obtenção de energia solar (daí o nome do livro) e seu nome é associado à preocupação com a sustentabilidade e o aquecimento global (apesar dele estar se lixando para a questão).

Dá para ter uma ideia dos bastidores da cena em torno da sustentabilidade, onde idealistas ingênuos e românticos misturam-se a interesseiros de ocasião, onde, no final das contas, gasta-se muito dinheiro para tudo continuar como está.

Há cenas impagáveis, como quando ele é convidado a “ver o aquecimento global de perto” e se atrasa para a excursão até o navio ancorado no norte do mundo. No meio do caminho, com ventos cortantes e uma temperatura baixíssima, Michael desce do skidoo no meio da neve e vai fazer xixi; aí ele vê seu pênis ser congelado em segundos e precisa da ajuda de conhaque para conseguir guardá-lo novamente.

Há outra em que Michael discute com o principal executivo de sua empresa, Hammer, que desenvolve as células fotovoltaicas. Hammer está preocupado porque ouviu previsões de que o petróleo vai durar mais do que eles haviam previsto. Segue-se o surreal diálogo:

Hammer: Ninguém vai comprar um painel sofisticado da gente se o petróleo só acabar daqui a 30 anos.

Beard: Qual é o problema contigo? Problemas em casa?

Hammer: Nada disso. Só que trabalhei um bocado e agora esse pessoal aparece na TV para dizer que o planeta não está se aquecendo. Fico apavorado.

Beard: Hammer, acredite em mim. É uma catástrofe, fique tranquilo.”

O final ficou devendo um pouco, mas mesmo assim, recomendo com estrelinhas.

Norfolk 1910

Mont Saint-Michel

No final de semana dei aula na Escola de Negócios Sustentare, em Joinville, e por causa da delicadeza e cuidado do diretor da instituição, o Wilmar Cidral, que recebe pessoalmente e integra os professores convidados (e os alunos também; são centenas e ele sabe o nome de todos!!), acabei conhecendo o simpaticíssimo professor Ricardo Della Santina Torres.

O Ricardo é um paulista daqueles de fala mansa e parece estar sempre de bom-humor. O moço trabalhou por muitos anos no mercado financeiro em Londres, Nova Yorque, Paris e São Paulo. Fala várias línguas e parece ser muitíssimo culto. Realmente uma companhia agradabilíssima. Pois, papo vai, papo vem, descobri que ele escreveu um romance.

O título é Norfolk 1910 — A revelação da ordem e é um romance histórico cheio de suspense e emoção. Devorei em menos de 24 horas, é daqueles que não dá para parar de ler, parece que a gente está vendo o filme. Algo movimentado no estilo de O código Da Vinci, mas a graça maior é a riqueza dos detalhes dos lugares e sua história (o Ricardo teve acesso à biblioteca da sensacional National Gallery, em Londres, para fazer a pesquisa de época).

É claro que num thriller com organizações secretas e briga pelo poder, o maniqueísmo impera: os mocinhos são muuuuito bonzinhos e os bandidos são mega-master-blaster malvados. Mas o livro é tão envolvente que essa simplificação nos perfis não chega a comprometer a narração.

Norfolk é uma região no norte da Grã Bretanha (ainda vou conhecer esse lugar) onde acontece uma grande catástrofe durante a passagem do Cometa Halley, em 1910 (daí o título do livro). Os protagonistas avançam em meio a dificuldades e perigos, e acabam no Mont Saint-Michel, na França.

Segundo o Ricardo, o segundo volume já está pronto, e a ação se passa em Viena. Não vejo a hora dele ser publicado, pois estou curiosíssima, principalmente para visitar os lugares descritos com tanto capricho.