Nos últimos tempos tenho conhecido e tido notícias de muita gente que está participando do programa Ciências sem Fronteiras, que leva universitários brasileiros a estudar no exterior. Como todo projeto grande, há de tudo: estudantes que aproveitam cada segundo e outros que só vêm fazer turismo e nunca aparecem na aula (o triste é que, pelo que soube de alguns professores, não é permitido mandar o sujeito de volta como punição, pois nada pode estragar as estatísticas…). Vantagens e desvantagens à parte, estou com uma sensação estranha e espero muito que esteja enganada.
O Brasil nunca teve um projeto sério de educação. Tive a sorte de sempre ter estudado em escolas públicas, do primário ao doutorado. Havia escolas ótimas, o problema é que eram poucas; nem todo mundo tinha acesso. Não venho de família rica e sempre ralei bastante; mesmo durante o doutorado trabalhei 40 horas/semana numa empresa privada. Mas não posso negar que tive muita sorte: consegui acesso a esse quartinho bom, mas pequeno, com um monte de gente querendo entrar. Se tivesse nascido e crescido num canavial em algum lugar no interior do Brasil, dificilmente teria essa chance. Repito, foi pura sorte.
Nossa situação na educação agora é sair desses quartinhos e construir uma casa. Justiça seja feita, até hoje governo nenhum se dignou a pensar nisso. Pela primeira vez na história, há alguma movimentação nesse sentido, de construir a tal casa. Só que temos aí vários problemas.
O primeiro é que não há um projeto para a casa. Nem um orçamento planejado. Nem uma equipe qualificada com a responsabilidade de construi-la.
E, para piorar, começa-se a obra pelo telhado. Não são medidos esforços para comprar telhas de vários tipos, de maneira completamente aleatória (pelo menos é a minha percepção). Há gente boa estudando maneiras eficientes de se fazer a melhor cobertura, há gente comprando telha de papel e vendendo como se fosse de ouro (que, de qualquer maneira, não seria adequado), tem gente construindo telhados com células solares pensando na sustentabilidade, tem quem use materiais tóxicos e ainda tem telhas baratas importadas da China; enfim, um pouco de tudo.
Para qualquer um que critique a maneira como a casa está sendo feita, seguem-se as maravilhosas cifras de tudo o que já foi investido até agora em telhas, algo que nunca foi feito antes (o que é verdade, não nego).
Mas, gente? Não temos projeto, não temos alicerces, não temos fundamentos! Onde vamos colocar essas telhas? Aliás, nem os tais quartinhos bons nos quais estudei estão recebendo manutenção adequada. Nossos estudantes estão entre os piores do mundo em todas as métricas internacionais para o ensino básico. As escolas não têm merenda, não têm livros, alguém superfaturou computadores velhos e nem a internet funciona. Dei aula para analfabetos funcionais no ensino superior (que está mais para ensino inferior) e fiquei impressionada. As pessoas não conseguem entender conceitos básicos como o de porcentagem, não conseguem estruturar uma frase completa.
Sei que a escola básica não é responsabilidade do governo federal, e sim dos estados e municípios. Mas a casa é uma só; tem que federalizar a coisa mais estratégica que esse país tem, que é a formação de gente! É nossa única salvação, a meu ver.
Há que se fazer um projeto sério, pensando no longo prazo, que seja justo, inclusivo e priorize o acesso à educação em todos os níveis. Que as pessoas aprendam a pensar por si próprias, não a reproduzir ideologias, seja lá quais forem. Que aprendam a ler, escrever, fazer contas, entender seu papel no mundo. Que possam sonhar, mas aprendam a fazer.
Por sorte, não entendo nada de construção de casas e nem de educação. É minha esperança.
Essa ignorância é o que me dá forças para acreditar que estou enxergando tudo errado e distorcido, e que a coisa não é tão ruim assim.
Tomara.
Marcio Ramos
Essa conversa é bem longa, mas não se preocupe, o panorama é muito bom e positivo para o Brasil =)
Ênio Padilha
Desculpe, Sr. Márcio Ramos. Mas eu não me importo de ler um texto “bem longo” escrito pelo senhor explicando o seu ponto de vista. Talvez alguma luz se descortine e eu aprenda alguma coisa.
Eu sou fascinado por educação, principalmente porque, como a Lígia, TUDO O QUE CONSEGUI NA VIDA devo ao fato de ter tido a sorte de estudar. Tenho lido alguma coisa sobre isto e, dos bons autores (entre os quais posso citar o Cláudio de Moura Castro) tenho ouvido, basicamente, o que a Lígia escreveu. O Brasil não tem um bom projeto de Educação, investe na ponta errada e não tem, não senhor, “um panorama muito bom e positivo” nem no presente nem no futuro.
Na minha opinião, MUITO PELO CONTRÁRIO: na média, os universitários e os graduados estão ficando cada vez mais burros. E analfabetos.
Não sabem português, não sabem inglês, não sabem o mínimo de matemática, física, informática, história, filosofia… tá um horror! Repito: não sei onde o senhor está vendo este “panorama muito bom e positivo para o Brasil”.
A não ser que o senhor esteja brincando. Nesse caso, desculpe eu ter levado à sério.
Rodrigo Pastl
Perfeito Lígia o que voce externou aqui! Tem que ser investido em todas as pontas da educacao, PRINCIPALMENTE na base! Sem a base das coisas, nao temos como ir mais a frente e, consequentemente, construiremos coisas péssimas e sem qualidade… Tudo que consegui também foi com os estudos, com muito esforco dos meus pais para que eu e meus irmaos tivessemos a melhor educacao, já que a educacao publica de base nao nos fornecia o que era necessário. Como diz meu pai até hoje: “Meu filho, a única coisa que posso te deixar é educacao…”
Marciane Faes
Temos um Plano Nacional de Educação aprovado para o período 2014-2024 (http://pne.mec.gov.br/ ou http://www.observatoriodopne.org.br/) em que está prevista a instalação do Sistema Nacional de Educação. A meta 20 do PNE tem destaque pelo fato de que busca garantir até o final do decênio o investimento de pelo menos 10% do PIB em Educação.
Vale a pena acompanhar!