Eu não sou designer
Sempre publico minhas colunas aqui e no site AcontecendoAqui. Semana passada, recebi um comentário de um leitor de lá que me deixou um pouco confusa. Aí me ocorreu que muita gente não entende o meu trabalho, acha que sou uma engenheira metida a designer. Obviamente, a culpa não é dessas pessoas, é que o negócio é confuso mesmo, como tudo o que é relativamente novo.
Fiz uma mudança na minha carreira profissional bem ao estilo século XXI, onde impera a multidisciplinaridade e a oferta de serviços que antes não existiam, com nomes, às vezes, bem estranhos. Então penso ser importante falar um pouco a respeito para que o pessoal entenda porque, mesmo não sendo designer, insisto em dar meus pitacos em todos os assuntos relacionados.
Vamos lá. Sou engenheira eletricista e trabalhei com robótica por 12 anos, feliz da vida, até o dia em que resolvi fazer uma pós-graduação em marketing e me apaixonei pelo assunto. Comecei a fazer cursos na área e acabei me matriculando em uma outra pós, dessa vez em comunicação e propaganda. Foi numa aula de percepção visual que ouvi, pela primeira vez numa sala de aula, a palavra mágica “design”. Foi amor à primeira vista e, depois desse primeiro contato resolvi que teria como missão compartilhar tudo o que eu aprendesse com meus colegas engenheiros para que eles pudessem ter a real dimensão do poder dessa ferramenta.
Depois de virar freguesa de carteirinha de livrarias reais e virtuais (incluindo a minha amada Amazon) e estudar até me tornar “a chata do design” entre os meus amigos, fui aceita no programa de doutorado em Gestão do Design na UFSC (eu já tinha mestrado em Automação e Controle Industrial). Ao me aprofundar no tema, descobri a importância da gestão da identidade corporativa e desenvolvi um método que já foi aplicado em 23 empresas de todos os portes (espero que nesse ano o número ainda cresça bastante).
Assim, além de dar aulas em cursos de graduação e pós-graduação em design, sou palestrante e consultora de empresas. Meu trabalho é basicamente convencer os empresários a dar mais importância aos designers, já que o método recomenda a contratação de profissionais especializados em algumas etapas. Para mim é mais fácil falar com esse povo da tecnologia do que para os designers, uma vez que falo a língua dos engenheiros e empresários – eu entendo como pensam pessoas extremamente racionais e cartesianas que não fazem idéia do que seja design (não faz muito tempo eu também era assim).
Penso que tenho alguma coisa a contribuir com essa área do conhecimento, primeiro porque tenho estudado muito e com bastante profundidade os temas relacionados; segundo porque tenho tentado divulgar a importância do trabalho dos designers em todos os meios de comunicação que tenho acesso (além dessa coluna, mantenho um site, um blog, faço palestras, dou cursos, escrevo artigos para revistas de negócios, e já publiquei 2 livros sobre o assunto – o terceiro está no forno); finalmente porque posso trazer para os designers a visão do outro lado do balcão.
Por isso, falo e repito: não sou designer, não faço projetos, marcas, produtos ou o que seja. Isso acontece não só porque não tenho formação para isso (quem dá o título de designer é o curso de graduação; eu sou engenheira eletricista), mas também porque está fora do meu foco, que é a gestão do design.
Tenho me debatido muito sobre a formação dos profissionais porque não raro me encontro na situação de não ter ninguém para recomendar aos meus clientes (sou exigente e sei que eles também são — não posso queimar meu filme indicando um profissional medíocre). Sei o quanto o português bem falado e escrito, a boa fundamentação teórica, a segurança na apresentação do trabalho, o talento, a postura, a ética e muito conhecimento são fundamentais para que o cliente confie no profissional que está contratando. Por isso é que implico tanto com algumas lacunas que vejo na formação dos designers. Sei que as escolas (pelo menos em Santa Catarina) ainda são novas e eu vim de uma das melhores escolas de engenharia do país. Sei o quanto uma boa formação pesa na hora de apresentar e realizar um trabalho bem feito. Quero ter orgulho de apresentar bons profissionais de design, e não vergonha das apresentações deles, como às vezes acontece.
Para fazer bem o trabalho que escolhi, preciso estudar design o tempo todo, mas também tenho que estar a par dos assuntos mais diversos: estratégia, arquitetura, comunicação, planejamento, moda, gestão, relações humanas, jornalismo, economia, artes plásticas, psicologia, publicidade, política, ilustração, web, interação, marketing, redação, literatura, novas tecnologias e o que mais aparecer.
Já nasci multidisciplinar e fico muito feliz em viver numa época que começa a resgatar os valores do renascimento, onde é preciso aprender muito de cada coisa para fazer um trabalho realmente especial. Sempre fico pensando em como seria infeliz se tivesse que escolher um nome só para descrever o trabalho que faço com tanta empolgação. O preço, porém, é esse mesmo. As pessoas não conseguem me descrever e nem ao meu trabalho, além de estar sempre correndo o risco de ser mal-entendida.
No final das contas, o que posso dizer é uma coisa só: estou, como se diz, como “um pinto do lixo”, fazendo a festa com a minha biblioteca. Está valendo muito a pena e faria tudo de novo, principalmente, como podem duvidar alguns, a parte da engenharia.
Bem-vindo, admirável mundo novo…
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