Ele chutou o pau da barraca 95 vezes…

Esse fim de semana teve um passeio da escola para conhecer a cidade de Wittenberg. Na verdade, a cidade se chama Lutherstadt Wittenberg, ou “Wittenberg, cidade de Lutero“.

Apesar de eu não ser nem um pouco ligada em assuntos religiosos, a impotância histórica desse lugar não é pequena não.

Wittenberg tinha um mosteiro onde Lutero estudava e o sujeito ficou muito p* da vida quando viu que a igreja católica aproveitou a invenção da prensa de Gutenberg para vender indulgências (já falei sobre isso aqui e aqui). O negócio fez tanto sucesso que vendia como pão quentinho. Em vez de pecar e depois ter que confessar, fazer penitências e toda essa coisa chata para garantir um lugar no céu, bastava comprar esse papelzinho, que era uma espécie de salvo-conduto. Ou seja, quem era rico podia se esbaldar nas delícias pecaminosas do nosso mundinho recém chegado à era renascentista.

Lutero, que já não estava gostando de outras coisas que andava vendo por lá, escreveu para o Papa, para tirar satisfações e perguntar que pouca vergonha era aquela. O Papa nem deu bola (estava felicíssimo com o negócio mais lucrativo da história) e Lutero não deixou barato. Chutou mesmo o pau da barraca. Escreveu 95 teses que contestavam essas ações (o cara era um estudioso e erudito, sabia argumentar e fundamentar muito bem suas posições) e pregou todas elas nas paredes de uma igreja em Wittenberg (por sinal, a igreja fazia parte do castelo do Kaiser, na época, que já tinha comprado um lote de indulgências, só para garantir).

Imagina só o bafafá que deu, um cara sozinho lutar contra a potência que era a igreja católica na época; muito macho mesmo. Bom, entre outras coisas, ele ficava indignado com o fato da Bíblia não ser acessível a todo mundo, pois a versão que eles estudavam era em latim, língua que só os eruditos conheciam.

Aí, sabe o que esse cara, que não era nem um pouco fraco fez? Inventou o alemão moderno! Sim, essas declinações, regras malucas e gramática de dar dor de cabeça são obra dele e de seus alunos, que resolveram traduzir a bíblia para uma língua que o povo pudesse entender.

A Alemanha, na época, era cheia de dialetos falados e não escritos. Então ele resolveu colocar ordem na coisa e fundiu o latim, que ele sabia bem (daí as declinações) com as várias versões do idioma falado pelos saxões. Deu no que deu.

Só para se ter uma vaga ideia do tamanho da revolução que o cara fez e a importância do trabalho dele, além de ter criado a igreja protestante (que protestava contra as indulgências católicas), ele publicou a primeira versão da Bíblia em alemão em 1522. Em apenas 5 anos, já haviam sido vendidos 100.000 exemplares!! Não é incrível? Se imprimir e vender tudo isso de livros hoje já não é pouca bobagem, imagina só naquela época.

Olha, eu xingo muito quando tenho que estudar a gramática, mas não posso deixar de admirar esse sujeito de maneira nenhuma.

Ainda mais quando a gente visita a casa dele (que também funcionava como universidade e tinha alunos residentes; o kaiser era seu admirador e cedeu o prédio) e vê todo o material impresso que eles produziam. O cuidado na diagramação, nos alinhamentos, a harmonia entre texto e ilustrações é uma verdadeira aula de design para qualquer um que se interesse minimamente pelo assunto. E isso em meados de 1500, 4 séculos antes da Bauhaus pensar em existir. Isso sem falar no marketing, pois o sujeito precisou “vender” uma ideia totalmente revolucionária para um mundo tão conservador que achava que lugar no céu se comprava com um papelzinho.

Decididamente, Lutero não era fraco não. Tem todo o meu respeito, esse sujeito.

Como toda cidadezinha alemã, essa também parece cenário de filme de época
Tudo lindo, coloridinho e caprichado
Foi nessa igreja que Lutero pregou as tais 95 teses contestando as indulgências
Repare que luxo o telhado da igreja
Fico impressionada como as folhinhas de hera ficam completamente vermelhas no outono...

Se quiser ver mais fotos, é só ir direto no Flickr clicando aqui.

Mefisto adoraria saber

Agora me dei conta de que não contei uma curiosidade interessante sobre Leipzig. É que um dos moradores mais ilustres da cidade foi ninguém menos que o maior nome da literatura alemã, o célebre Johann Wolfgang von Goethe. Goethe morou na cidade entre 1765 e 1768, quando estudava direito.

Pelo visto, o célebre morador (que naquele tempo era um anônimo) passava muito tempo numa taberna subterrânea em uma rua do centro da cidade, tanto que a usou como cenário de seu poema épico mais famoso, Dr. Fausto.

Na verdade, Dr. Fausto é uma antiga lenda alemã muito usada como base alegórica de romances; mas foi Goethe que a tornou conhecida no mundo todo. O tal Dr. Fausto é um professor atormentado em busca do conhecimento; ambicioso, ele se dá conta de que não vai conseguir aprender tudo o que sonha. Eis que surge em cena o diabo, ou, nessa versão, Mefistófeles (Mefisto para os íntimos).

Como Leipzig mudou a história

Nossa, às vezes fico assustada com a minha ignorância sobre história. Ainda bem que o Conrado sabe muito e me explica os lances todos. Lembro que em 1989, quando caiu o muro de Berlin, eu fazia estágio, estava enlouquecida com as provas de eletrônica do último semestre da faculdade e os preparativos da formatura; um perfeito modelo da alienada. Soube que o tal famoso muro tinha caído, mas não ficou nenhum registro além. Agora, pouco a pouco, vou conhecendo os outros capítulos e tendo uma ideia da dimensão do acontecimento.

A gente passou o último final de semana em Leipzig, no coração da Saxônia, e aprendi muita coisa. E me comovi, me emocionei muito, cheguei até a chorar. Visitamos o museu da cidade que conta um pouco da história com fotos, imagens e objetos.

Sobre a Bauhaus

Como hoje é feriado aqui na Alemanha (data da reunificação), aproveitamos o fim de semana para dar uma volta de moto. O destino era Leipzig (breve posts a respeito), mas resolvemos passar em Dessau, que ficava no caminho, para conhecer a primeira escola de design da história, a Bauhaus.

Na verdade, a Staatliches Bauhaus começou em Weimar em 1919 (ainda vou até lá, está na lista). Walter Gropius, o cérebro por trás do negócio, convidou artistas e arquitetos para bolar um jeito de projetar produtos já pensando em como seria a produção em série desses objetos. Tinha gente do naipe de Paul Klee, Wassily Kandinski, Marcel Breuer e Mies van der Rohe, só para citar alguns mais conhecidos. A ideia era que curso permeasse a arquitetura, a arte e o design, sem subdivisões entre essas áreas (Viu gente? No começo era essa coisa linda, todo mundo junto, sem brigas!). O processo criativo acontecia por meio de workshops, com muita experimentação (célula embrionária do design thinking).

Primeiro episódio: Wilmersdorf

Segue o primeiro episódio dos programinhas semanais sobre Berlin (pelo menos vou tentar manter a frequência, porque é divertido, mas dá uma trabalheira).

A tosquice faz parte, já que o orçamento da produção é zero, disponho apenas de câmeras fotográficas e não sou propriamente íntima do iMovie (software que estou usando para edição). Mas acho que dá para ter uma ideia e já tem material para vocês rirem um pouco.

Doces bárbaros

Os alemães raciocinam, olhando daqui da janelinha onde estou, do jeito mais complicado que se pode imaginar na abordagem de um problema (deve ser influência da língua, que é de dar nó na própria). As coisas parecem bem feitas e resolvidas, mas, para uma tupiniquim que vê de fora, dá a impressão que tinha um jeito mais simples de fazer a coisa.

Peguemos o exemplo da prefeitura de Berlin. Você tem que ir até lá para se apresentar como morador da cidade; a ideia é ótima, pois eles não precisam fazer o censo anual e têm sempre dados atualizados. Você se apresenta e, entre outras coisas, ganha o direito de estacionar o carro na frente da sua casa sem pagar a “zona azul” (nem donos de Porsches, Ferraris, Audis, Mercedes e BMWs têm cacife para pagar uma garagem coberta por aqui; quase nenhum prédio tem esse luxo e esse brinquedinhos lindos dormem todos na rua); é pré-requisito também para se registrar no seguro-saúde, entre outras povidências burocráticas.

Mudança radical :)

Olha só que bacana: em julho o Conrado e eu vamos nos mudar para Berlin, na Alemanha (sim, aquela cidade maravilhosa pela qual me apaixonei no ano passado, quem diria!). É que o Conrado assumiu algumas responsabilidades a mais na empresa onde ele já trabalha, que tem sede na Alemanha, e eu vou aproveitar para fazer um sabático e aprender a língua dos bárbaros (ótimo exercício para os neurônios, heim?).