A viagem de cada um

Fotografia: Manuel Archain

− Vandinha, és tu?

− Não acredito! Neide, da Trindade?

Estava sentada ainda há pouco num avião, ao lado de duas senhoras muito excitadas. Aparentemente tinham sido vizinhas, estavam há tempos sem se ver e havia muita conversa para colocar em dia. Uma tinha ido visitar a filha em Maceió e a outra voltava de um tour pela Europa.

Não pude deixar de ouvir (e achar engraçado) quando a turista declarou que dessa vez tinha feito Itália, Alemanha e Grécia. Sempre achei bizarra essa expressão. O que poderia significar “fazer” um lugar?

Devo estar sendo preconceituosa – e estou – mas costumo ouvir isso de pessoas que visitam 12 países em sete dias e nem sabem dizer o que estão vendo. Boa parte se concentra em detalhar as compras e avaliar como as coisas estavam ridiculamente baratas (ou indecentemente caras, dependendo do país e da época). Parecia ser o caso da senhora ao meu lado e de sua vizinha, que também já tinha “feito” praticamente toda a Europa.

Certa feita fiz papel de boba ao ouvir uma colega dizer que ia variar o roteiro porque já conhecia Paris. Inocente, perguntei quantos anos havia morado lá. Pra mim, o único jeito de uma pessoa conhecer uma cidade, principalmente daquele tamanho e com aquela diversidade de atrações é vivendo lá. Ela me respondeu, como se minha pergunta fosse absurda, que tinha desfrutado da cidade luz por – pasmem – dois dias inteiros! E há quem declare, numa situação dessas, que já conhece a França.

Outro fato que me chama atenção são as popularíssimas viagens de navio. Algumas milhares de pessoas são confinadas em um clube gigante por dias, semanas. E ficam tão encantadas com a embarcação em si que tenho a impressão de que não faz muita diferença se saem ou não do porto de partida. Como desfrutar das cidades do percurso se o navio atraca às nove da manhã e tem que zarpar às cinco da tarde? Pode reparar: os viajantes dessa modalidade nunca conseguem descrever os lugares visitados tão bem e com tantos detalhes como o fazem com a quantidade assombrosa de comida e o número e estilo de restaurantes onde se pode comer à vontade, praticamente até explodir (arghh…).

Também fico intrigada com as relações hierárquicas que as pessoas inventam sobre viagens. Tive a chance de sair do país algumas vezes e sempre tem quem me pergunte, com certa indignação. “Mas você já conhece o Brasil? Quem não conhece o Brasil, não devia viajar para fora.” Ué, será que perdi alguma parte? O que uma coisa tem a ver com a outra? Além disso, alguém acha que é possível uma pessoa “conhecer” o Brasil? Viajo para onde tenho oportunidade, seja à cidade ao lado ou ao continente ao lado. Se bem que, confesso, se puder escolher, vou sempre o mais longe que posso. O contraste, as curiosidades e o jeito diferente de pensar são irresistíveis para uma curiosa nata.

Há também quem considere viagens como maratonas que precisam ser vencidas; querem conhecer o máximo de lugares possíveis em um mínimo de tempo. Daí que ficam tão atordoadas com a quantidade de informação que perdem a capacidade de se deslumbrar (o que, para uma deslumbrada profissional como eu, é o fim do passeio).

Fico intrigada com essas coisas todas talvez porque viajar, para mim, é um evento tão sagrado que não posso evitar de ter um respeito quase religioso pela atividade (tá bom, digamos que é uma religiosidade um tanto herética e petulante, mas tá valendo a alegoria). Que outra oportunidade a gente tem de fazer nosso mundo ficar maior e mais rico de um jeito tão interativo? Ouvir sotaques diversos (se for em outra língua, então, acho sublime); experimentar sabores inéditos; entender outra maneira de pensar, outra cultura e costumes; sentir cheiros diferentes; ver, com os próprios olhos a arte produzida naquele lugar em tempos atuais ou antigos; vislumbrar paisagens antes só imaginadas; aprender história e descobrir histórias.

Gente, fala sério, viajar é a coisa mais sensacional que um ser humano pode empreender; é transcender a si mesmo e ver, de verdade, o outro.

Lembrei-me agora de quando contei a um amigo querido sobre uma oportunidade em pude flanar em Londres (foram míseros dois inesquecíveis dias emendados em uma viagem a trabalho) e me deparei com uma casa cuja placa dizia o seguinte: “Aqui viveu Sir Isaac Newton”. Eu estava sozinha e fui às lágrimas, quase não acreditando que aquele gênio tinha pisado lá onde minhas botinhas estavam. Mas eis que, no final do emocionado relato, o mané dispara: “Mas quem é esse tal Isaac Newton?

Foi aí que caiu a ficha: há tantas maneiras de viajar quanto há viajantes no mundo. Tenho meu jeito particular de bater asas e o que é sagrado para mim pode não ser para os outros; cada um com seus deuses.

De que adianta dar a volta ao mundo se a gente não consegue se desprender de si e compreender que não tem certo ou errado, não tem melhor ou pior; o que existe é uma quantidade riquíssima e infinita de pontos de vista e que essa é justamente a graça da história? Se o sujeito foi até o outro lado do mundo e gastou o tempo todo em shoppings, mas está feliz e voltou realizado, qual o problema?

Parafraseando o Caetano, que deve viajar como ninguém, só me resta concluir o óbvio: qualquer maneira de viajar vale a pena; qualquer maneira de viajar valerá.

Ele chutou o pau da barraca 95 vezes…

Esse fim de semana teve um passeio da escola para conhecer a cidade de Wittenberg. Na verdade, a cidade se chama Lutherstadt Wittenberg, ou “Wittenberg, cidade de Lutero”.
Apesar de eu não ser nem um pouco ligada em assuntos religiosos, a impotância histórica desse lugar não é pequena não.

Wittenberg tinha um mosteiro onde Lutero estudava e o sujeito ficou muito p* da vida quando viu que a igreja católica aproveitou a invenção da prensa de Gutenberg para vender indulgências (ja falei sobre isso aqui). O negócio fez tanto sucesso que vendia como pão quentinho. Em vez de pecar e depois ter que confessar, fazer penitências e toda essa coisa chata para garantir um lugar no céu, bastava comprar esse papelzinho, que era uma espécie de salvo-conduto. Ou seja, quem era rico podia se esbaldar nas delícias pecaminosas do nosso mundinho recém chegado à era renascentista.

Mefisto adoraria saber

Agora me dei conta de que não contei uma curiosidade interessante sobre Leipzig. É que um dos moradores mais ilustres da cidade foi ninguém menos que o maior nome da literatura alemã, o célebre Johann Wolfgang von Goethe. Goethe morou na cidade entre 1765 e 1768, quando estudava direito.

Pelo visto, o célebre morador (que naquele tempo era um anônimo) passava muito tempo numa taberna subterrânea em uma rua do centro da cidade, tanto que a usou como cenário de seu poema épico mais famoso, Dr. Fausto.

Na verdade, Dr. Fausto é uma antiga lenda alemã muito usada como base alegórica de romances; mas foi Goethe que a tornou conhecida no mundo todo. O tal Dr. Fausto é um professor atormentado em busca do conhecimento; ambicioso, ele se dá conta de que não vai conseguir aprender tudo o que sonha. Eis que surge em cena o diabo, ou, nessa versão, Mefistófeles (Mefisto para os íntimos).

Como Leipzig mudou a história

Nossa, às vezes fico assustada com a minha ignorância sobre história. Ainda bem que o Conrado sabe muito e me explica os lances todos. Lembro que em 1989, quando caiu o muro de Berlin, eu fazia estágio, estava enlouquecida com as provas de eletrônica do último semestre da faculdade e os preparativos da formatura; um perfeito modelo da alienada. Soube que o tal famoso muro tinha caído, mas não ficou nenhum registro além. Agora, pouco a pouco, vou conhecendo os outros capítulos e tendo uma ideia da dimensão do acontecimento.

A gente passou o último final de semana em Leipzig, no coração da Saxônia, e aprendi muita coisa. E me comovi, me emocionei muito, cheguei até a chorar. Visitamos o museu da cidade que conta um pouco da história com fotos, imagens e objetos.

Sobre a Bauhaus

Como hoje é feriado aqui na Alemanha (data da reunificação), aproveitamos o fim de semana para dar uma volta de moto. O destino era Leipzig (breve posts a respeito), mas resolvemos passar em Dessau, que ficava no caminho, para conhecer a primeira escola de design da história, a Bauhaus.

Na verdade, a Staatliches Bauhaus começou em Weimar em 1919 (ainda vou até lá, está na lista). Walter Gropius, o cérebro por trás do negócio, convidou artistas e arquitetos para bolar um jeito de projetar produtos já pensando em como seria a produção em série desses objetos. Tinha gente do naipe de Paul Klee, Wassily Kandinski, Marcel Breuer e Mies van der Rohe, só para citar alguns mais conhecidos. A ideia era que curso permeasse a arquitetura, a arte e o design, sem subdivisões entre essas áreas (Viu gente? No começo era essa coisa linda, todo mundo junto, sem brigas!). O processo criativo acontecia por meio de workshops, com muita experimentação (célula embrionária do design thinking).

Primeiro episódio: Wilmersdorf

Segue o primeiro episódio dos programinhas semanais sobre Berlin (pelo menos vou tentar manter a frequência, porque é divertido, mas dá uma trabalheira).

A tosquice faz parte, já que o orçamento da produção é zero, disponho apenas de câmeras fotográficas e não sou propriamente íntima do iMovie (software que estou usando para edição). Mas acho que dá para ter uma ideia e já tem material para vocês rirem um pouco.

Doces bárbaros

Os alemães raciocinam, olhando daqui da janelinha onde estou, do jeito mais complicado que se pode imaginar na abordagem de um problema (deve ser influência da língua, que é de dar nó na própria). As coisas parecem bem feitas e resolvidas, mas, para uma tupiniquim que vê de fora, dá a impressão que tinha um jeito mais simples de fazer a coisa.

Peguemos o exemplo da prefeitura de Berlin. Você tem que ir até lá para se apresentar como morador da cidade; a ideia é ótima, pois eles não precisam fazer o censo anual e têm sempre dados atualizados. Você se apresenta e, entre outras coisas, ganha o direito de estacionar o carro na frente da sua casa sem pagar a “zona azul” (nem donos de Porsches, Ferraris, Audis, Mercedes e BMWs têm cacife para pagar uma garagem coberta por aqui; quase nenhum prédio tem esse luxo e esse brinquedinhos lindos dormem todos na rua); é pré-requisito também para se registrar no seguro-saúde, entre outras povidências burocráticas.

Mudança radical :)

Olha só que bacana: em julho o Conrado e eu vamos nos mudar para Berlin, na Alemanha (sim, aquela cidade maravilhosa pela qual me apaixonei no ano passado, quem diria!). É que o Conrado assumiu algumas responsabilidades a mais na empresa onde ele já trabalha, que tem sede na Alemanha, e eu vou aproveitar para fazer um sabático e aprender a língua dos bárbaros (ótimo exercício para os neurônios, heim?).