Qual é o seu tipo?

Muita gente não sabe ou não se deu conta, mas o mundo da tipografia mudou completamente depois que um estudante universitário abandonou seu curso nos idos dos anos 1970 e resolveu assistir aulas de caligrafia para passar o tempo. Ele achava que isso não acrescentaria muito ao seu currículo, mas não podia evitar o fascínio que sentia pelas letras caprichosamente desenhadas. Dez anos depois, o sujeito projetou o primeiro computador onde quem escrevia podia escolher o tipo de letra que queria usar no texto; sim, estamos falando de Steve Jobs e seu revolucionário Macintosh.

Antes de Jobs, apenas profissionais especializados sabiam a diferença entre Bodoni, Times New Roman e Gill Sans. No mundo D.J., tipografia é mais popular que novela, e um pré-adolescente pode discutir violentamente com sua tia porque ela usou Comic Sans (tias adoram) em vez de Verdana no e-mail.

A partir do reconhecimento desse fenômeno é que o extraordinário “Just my type”, de Simon Garfield começa a ser narrado. Diferente dos outros livros de tipografia que já li, esse não gasta as páginas dissecando as características de cada família tipográfica. Ele fala das fontes sim, mas principalmente das pessoas que as criaram e suas histórias.

Fala do capricho de Jobs, que encomendou para sua equipe uma coleção de fontes com o nome das cidades que ele adora (Chicago, fonte do primeiro iPod; San Francisco, London, Geneva e New York, para citar algumas). Depois veio a Microsoft e nos deu mais um montão de opções. Aliás, você sabia que o “pai” da polêmica Comic Sans também criou sua irmã mais chique, a Trebuchet? E que essas duas são as melhores fontes para trabalhar com crianças disléxicas, sendo que a Trebuchet é uma das mais adequadas para o web design?

A história da Comic Sans é curiosa; Vincent Connare (que também era fotógrafo e pintor) foi contratado pela Microsoft em 1994 e um dos seus primeiros trabalhos foi analisar a tipografia de um pacote chamado Microsoft Bob, o avô do Office. Ele tinha planilhas, editores de texto e tudo mais, e a ideia era fazê-lo parecer bem amigável para os novatos. Mas Connare reparou que essa era uma tarefa impossível, pois as instruções e comandos eram todos escritos em Times New Roman. Então ele estudou algumas referências e, baseado em sua coleção de histórias em quadrinhos, criou a Comic Sans, cujo objetivo é transmitir diversão, descontração e humor. E, ninguém pode negar, a fonte é muito competente nesses contextos.

O problema é que o Comic Sans começou a aparecer cartas comerciais e institucionais (eu já recebi uma da Finep, juro!), ambulâncias, sites pornô, uniformes de futebol, cartões de visita de bancos e seguradoras, anúncios de produtos médicos, placas de advertência supostamente sérias e por aí vai. Claro que quem tem um mínimo de bom senso e olho ficou perturbado com o fenômeno (vale ressaltar que nem todo mundo com essas características é designer). Surgiram campanhas irônicas do tipo “cada vez que você manda um e-mail em Comic Sans um lindo coelhinho morre perfurado”, “Fora Comic Sans” e iniciativas cômicas do mesmo naipe.

Ainda tem muita gente que sonha banir o Comic Sans das opções de fonte do Word, mas não se pode negar que ela é uma ótima opção nas aplicações para as quais foi projetada. Como diz o próprio Connare “Se você ama a Comic Sans, provavelmente você não sabe muito sobre tipografia. Mas se você odeia a Comic Sans, você realmente não sabe nada sobre tipografia; melhor procurar outro trabalho.”

Tem outros causos interessantíssimos, como a história de Eric Gill, o criador da elegante e inimitável Gill Sans, um artista que criou a fonte sob encomenda para uma livraria em Bristol, Inglaterra. O sucesso foi tão grande que a fonte foi adotada pela Igreja da Inglaterra, BBC, British Railways e usada nas capas dos livros da Penguin Books; até o Ministério da Informação britânico foi cliente durante a guerra. Mas quando a biografia do Eric foi publicada em 1989, estourou o escândalo; o sujeito era um louco de pedra que adorava fazer experimentações sexuais com sua irmã, filhas e até seu cachorro. E ainda anotava no diário relatórios sobre os resultados. Claro que não faltaram movimentos para banir a fonte, mas a coitada não tem culpa do pai que tem, né?

Outra história bacana foi o relato sobre a mundança do logotipo da IKEA. A rede sueca de móveis e objetos bem projetados e baratos (não tem no Brasil, mas a Tok Stok e a Etna são tentativas de cópia relativamente bem-sucedidas, exceto pelo preço) arrumou a maior confusão quando tentou mudar a fonte tipográfica de sua marca, grafada em Futura, para o Verdana. A Futura, criada em 1920, é elegante e traduz muito bem o conceito de honestidade, praticidade e design ao alcance de todos. O argumento usado era que a Futura não estava presente na maioria dos computadores e a Verdana tinha sido projetada para esse fim, além de estar se tornando muito popular, o que faria a marca ser reproduzida em todos os meios com mais fidelidade. Bom, a Verdana é ótima para computadores, mas o ícone da IKEA são as letras garrafais pintadas em amarelo nas paredes azuis das lojas monumentais da rede. E nessa dimensão, não tem pra ninguém; a Futura impera sem concorrentes. Os clientes se revoltaram de tal maneira que a empresa teve que voltar atrás. Os executivos sempre pensaram que ninguém reparava nisso; até mesmo os clientes só então se deram conta do vínculo emocional que tinham com a marca.

Ainda tem mais um montão de coisas interessantíssimas: discussões frutíferas sobre visibilidade e legibilidade; a história dos símbolos & e $; a onipresença da Helvetica em metrôs, marcas e aeroportos do mundo todo; o sonho de Frutiger para a Univers; a dramática história da Baskerville; o fato de Veneza, em 1470 já ter 150 gráficas; o nascimento do itálico; as consequências de um e-mail todo escrito em caixa-alta (para quem não sabe, escrever um texto todo em maiúsculas é a maior ofensa que se pode fazer escrevendo – é o equivalente a berrar); o caso de amor entre Barak Obama e a fonte Gothan; a Transport, desenvolvida especialmente para sinalização rodoviária;  a história dos primeiros tipógrafos; a era Letraset (usei muito) e rotuladores Dymo; enfim, o livro é divertimento garantido e cultura tipográfica de primeiríssima.

Exatamente o meu tipo…

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

Troféu Sem Noção Internacional

Alguém aí pode explicar qual seria a intenção desse cartaz?

Acho que a língua, nesse caso, é o de menos, pois a imagem diz tudo. Pela indumentária de integrante do fã-clube do Dr. Hollywood, acho que o cabeleireiro deve ter suas próprias ideias sobre campanhas publicitárias; duvido que isso seja obra de alguma agência (ou perderei de vez minha fé na humanidade).

Mas uma pergunta que me persegue é, quantas pessoas entraram nesse salão para cortar o cabelo depois que o cartaz foi para a rua?

Edward Mãos de Tesoura parece um docinho perto disso…

Não dê chance

Mesmo no meio da correria não consigo ficar imune à criatividade dos spams. Essa pérola atropela os concorrentes com jogadores de futebol mutantes (deve ser para não pagar os direitos de imagem); marketing responsável na internet é isso mesmo, né, minha gente? Não dê mesmo chance para eles…

Peixe com areia

Uma empresa que oferece cursos de comunicação com técnicas teatrais que se chama “Toque de areia”.

Fiquei bem intrigada com esse nome, afinal, para uma marca que quer traduzir uma comunicação interativa agradável, o toque poderia ser de qualquer coisa macia. Toque de areia me faz lembrar quando a gente pega jacaré na praia e um montinho de areia se imiscui dentro do biquíni. Ou quando cai do skate e raspa o joelho naquela areinha perto da calçada. Ou quando entra um grãozinho torturante dentro do sapato. Enfim, por mais que tente, não consigo encontrar nada agradável no contato com areia. Fui no site (a empresa parece ser competente, respeitável e com clientes importantes) e não encontrei nenhuma explicação para nome tão áspero. Seria a volta ao pé-no-chão?

Por quê?

Estava lendo Start with why, de Simon Sinek, e me dei conta de que a gente não dá muita bola para algumas coisas realmente importantes em marketing. Não que Simon tenha feito alguma descoberta extraordinária que o pessoal que estuda ciência cognitiva já não tenha estudado, mas ele descreve as coisas de uma maneira tão simples que faz todo o sentido.

Simon começa questionando se você sabe porque os clientes de sua empresa são clientes. E por que os funcionários são funcionários, parceiros são parceiros? Por que seu cônjuge continua com você? Por que seus amigos são seus amigos? Perguntas um pouco complicadas de responder, né? Afinal, a gente sabe muito pouco sobre o que move a conduta das pessoas e a interação entre elas.

Para tentar ajudar na busca de respostas para essas questões tão importantes, Sinek explica que o comportamento humano pode ser influenciado basicamente de duas maneiras: manipulação e inspiração.

Velhinho visionário

Mr. Kotler já está com 80 anos e continua cheio de ideias revolucionárias. O sujeito praticamente inventou todos os conceitos que a gente conhece sobre marketing e estruturou a maior parte da informação disponível sobre o assunto; só essa contribuição inestimável já daria para deitar na rede e gastar o resto do tempo tomando picolé de caju na beira da praia.

Mas esse senhor não está aqui para brincadeira: no ano passado, ele lançou junto com os consultores indonésios Hermawan Kartajaya e Iwan Setiawan o esclarecedor Marketing 3.0: as forças que estão definindo o novo marketing centrado no ser humano.

Essa equipe, que de fraca não tem nada, começa justificando o tal 3.0 lembrando-nos de que o marketing teve dois grandes momentos antes do atual; na fase 1.0, o objetivo era vender os produtos fabricados a todos que quisessem comprá-los. A ideia era apresentar o que estava sendo produzido da maneira mais atraente possível, sempre enfatizando (e, na maior parte das vezes, exagerando) as inúmeras qualidades do produto. Naquela época dá para dizer que o marketing andava numas de endeusar tanto a publicidade e propaganda que os dois até se confundiram por bastante tempo (equívoco difícil de se desfazer até hoje). Em resumo, o marketing era centrado no produto; a satisfação do cliente era puramente funcional, física.

Criatividade sem dono

— Pois é, a área técnica é muito limitada. Por isso escolhi trabalhar com criatividade.

— Sabe o que é? Não fico bitolado nesses detalhes técnicos porque sou muito criativo, viajo mesmo.

Vivo escutando essas frases de designers, publicitários, ilustradores, artistas plásticos e todos esses profissionais que se convencionou chamar “criativos”. É praticamente um consenso: eles são a parte criativa da sociedade. O resto das pessoas é bitolada, um pouco limitada, tem dificuldade para entender arroubos de inovação. Eu aceitava isso sem questionar muito. Mas, esses dias, ao ouvir pela enésima vez essa fórmula tão pouco criativa, comecei a questioná-la.