Tá na moda

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04-06-2007 Faço parte do conselho editorial de uma revista científica de moda, e a minha função consiste em analisar os artigos que chegam, verificar se o assunto é relevante, se o texto está bem estruturado, se as referências estão corretas, essas coisas. É um trabalho muito interessante, pois se pode conhecer o estado-da-arte da pesquisa em moda em primeira mão, um assunto que sempre me apaixonou (uma pós-graduação em moda está na minha lista de projetos para a próxima década).

Recentemente recebi um artigo para analisar (o nome do autor não é revelado a fim de garantir uma avaliação imparcial) que me fez pensar em um paradoxo que eu ainda não tinha me dado conta.

A moda é uma área do design das mais dinâmicas, pois a cada estação, várias coleções são lançadas. Umberto Eco atestou a importância da roupa como ferramenta de comunicação no livro “Psicologia do Vestir”, onde assina o artigo “O hábito fala pelo monge”; o filósofo francês Gilles Lipovetsky afirma, em seu “Império do efêmero”, que a moda é o espelho da sociedade. Muitos outros pensadores importantes, como Roland Barthes e Gerard Lébrun também se debruçaram sobre a questão com conclusões compatíveis. Nesse mundo frenético em que a gente vive, onde a principal necessidade humana é comprar, a proliferação de fashion weeks no mundo inteiro só vem a atestar a propriedade da afirmação.

Mas o mundo está acabando, e todas as áreas do design estão preocupadas em produzir objetos mais duráveis, que consumam menos energia na sua produção, que não poluam, que utilizem materiais recicláveis ou reutilizados, enfim, que provoquem menos impacto ambiental. E a moda não é exceção. De jaquetas feitas de PET ao algodão orgânico, de bordadeiras de comunidades de baixa renda ao reaproveitamento de sobras têxteis, a busca pela consciência e a água limpas é incessante.

Pois o tal artigo versava sobre a questão do design sustentável na moda. Lá pelas tantas, foi apresentado um autor, o italiano Carlo Vezzoli, que levantava a seguinte questão: se a moda é tão dinâmica justamente para instigar o consumo, como é que ela pode ser sustentável? Não se trata de um paradoxo?

É verdade. Se a gente pensar bem, as roupas são objetos com uma durabilidade altíssima. Nada, a não ser a indústria do consumo, justifica uma pessoa ter um carnezinho da Rener e outro da C&A para pagar TODOS OS MESES. De moças com o guarda-roupa abarrotado estarem sempre precisando de mais uma calça skinny ou constatarem que não podem viver nem mais um segundo sem aquela bota de verniz vermelho.

Vezzoli, muito bem intencionado em suas pesquisas sobre sustentabilidade, propôs quatro alternativas de solução bem interessantes para a questão da moda que poderiam minimizar o impacto ambiental desse fashion descontrol.

A primeira seria um roupeiro comum que pudesse ser compartilhado por várias pessoas. A idéia é, por exemplo, que um condomínio residencial tivesse um super-guarda-roupa que todos os moradores pudessem utilizar. Nesse caso, ninguém precisaria ter máquina de lavar roupas em casa, pois a rouparia otimizaria os recursos cuidando de tudo, inclusive de pregando botões perdidos e fazendo bainhas. Sei lá, mas eu não empresto minhas roupas de jeito nenhum. Além disso, acho que esse italiano nunca foi numa reunião de condomíno. Não gostei não. Vamos para a próxima.

A segunda idéia já existe em uma escala menor. É o aluguel de roupas. Ele defende que as pessoas só precisariam ter as roupas de baixo. As outras poderiam ser alugadas por dia de uso. Nossa, não parece pouco prático? Quantas horas a gente gastaria por dia só para se arrumar? Isso se a gente tivesse só um compromisso, né? E se a roupa que a gente adorou já foi alugada hoje, ou não está disponível porque a tonta da sua vizinha usou e manchou de vinho? Nem pensar. Desculpem, mas isso só podia ser idéia de um homem. Totalmente inviável. Só se todo mundo usasse uniforme.

Na terceira idéia, o consumidor participaria do processo de concepção e produção/customização da peça, guardando, por isso uma relação mais emocional e menos descartável. Ele crê que, tendo um vínculo afetivo com as peças, elas seriam menos descartáveis. Sei não, sou muito volúvel. Eu e toda a parte feminina da torcida do Flamengo. O que adianta ter uma saia linda customizada por você, se a da vitrine é mais bonita? E porque ter uma blusa feita pela sua avó excluiria aquela outra maravilhosa que está na revista?

A quarta e última idéia sugere que as lojas poderiam oferecer produtos personalizados, com serviços de manutenção e restauração de roupas sob medida. Certamente essas peças custariam mais caro e teriam durabilidade maior, haja vista o vínculo emocional da personalização. Mas quem tem dinheiro para tanto, tem também uma capacidade de acumulação e consumo inesgotável. Ou vai dizer que alguém usa um exclusivíssimo vestido de alta costura em três festas no mesmo ano? Necas. Já ouvi falar de celebridades que mantêm um apartamento inteiro só como closet. Também não valeu.

Sejamos realistas, o italiano é até bem intencionado, mas penso que ele está longe de achar uma solução sustentável para o sistema da moda. O uso de materiais alternativos é um bom começo, mas não resolve tudo. Mas vamos lá, a causa é nobre e a gente bem poderia ajudar com idéias legais. Bem, desde que ninguém queira mexer no meu guarda-roupa, é claro.

Lígia Fascioni
www.ligiafascioni.com.br