Inovação: tem palavra mais obsoleta?

Há algum tempo tive a oportunidade de ler um artigo interessantíssimo do Umair Haque, diretor do Havas Media Lab, chamado “The Awesomeness Manifesto“. É difícil traduzir awesomeness, que seria mais ou menos a capacidade de impressionar, causar espanto. Pensei em substituir por incrível, sensacional, deslumbrante e até mesmo impressionante, mas esses são adjetivos e o Haque acrescentou o “ness” no final justamente porque queria um substantivo. Aí fica difícil traduzir, né?

Mas não faz mal, usamos o original e vamos ao que interessa: Haque diz que a palavra inovação soa como uma relíquia da era industrial e que, por isso, a própria palavra precisa ser inovada.

Ele lembra que inovação implica em obsolescência. Inovação foi um conceito pioneiro criado pelo economista Joseph Schumpeter e utilizá-lo implica também em aceitar a teoria da destruição criativa, onde o mercado se sustenta à base da substituição do antigo pelo novo. Só que não dá mais para continuar nesse ciclo maluco, os resultados estão aí para quem quiser ver. À luz da sustentabilidade e do conceito de interdependência, obsolescência é que é um conceito obsoleto.

Haque lembra também que a inovação trata basicamente de empreendedorismo ou seja, toda boa ideia precisa se transformar em negócio lucrativo para merecer o título de inovação. Seguindo esse princípio, o que se percebe é quase tudo já foi inventado e não apenas isso: está à venda em qualquer esquina ou site. Poucas coisas fundamentalmente novas estão sendo criadas nos dias atuais. A inovações cada vez mais caminham para encontrar maneiras novas de vender, apenas isso.

O autor lembra que o desafio do século XXI não é desenvolver a criatividade para vender mais coisas; a questão é construir coisas melhores e com menos impacto para o planeta.

Outra questão sensível é que poucos admitem é que a inovação, como existe hoje, na verdade, não inova. A inovação consiste, basicamente, em desenvolver coisas comercialmente novas. Essa abordagem já se mostrou desastrosa na última crise causada por consumidores compulsivos, onde a pseudo riqueza gerada virou vapor rapidinho.

A questão que Haque coloca é: o custo da inovação compensa seus benefícios?

Ele acredita que não e apresenta o conceito de awesomeness que consegue traduzir mais a contento as necessidades de um mundo interdependente, onde não dá mais para construir e vender sem se preocupar com o impacto dessa ação para o planeta e os que nele vivem. Umair Haque fundamenta o awesomeness em 4 pilares:

Produção ética: O mantra do século XX, muito bem embalado pela inovação empreendedora era “compre barato, venda caro, crie valor!”. O século XXI não há de produzir nada que mereça o rótulo de impressionante sem que se considere a questão ética em todo o seu ciclo de vida.

Ousadia: O conceito de inovação submete a criatividade às leis do mercado, de maneira que a coisa inovadora, às vezes, é muito menos que emocionante — é chata mesmo. Do ponto de vista da inovação formal, o iPhone não tem muito a contribuir; mas é uma das coisas mais impressionantes já vistas em termos de interface e encantamento até onde se sabe. A questão é que para a Apple o foco é deslumbrar, isso nunca sai da mente de quem está trabalhando no projeto.

Amor: As pessoas precisam estar encantadas com o que fazem para fazê-lo bem. Haque deu o exemplo das lojas Apple, onde os funcionários não estão lá para vender, mas para compartilhar o encantamento e a paixão por estarem ali. Eles realmente curtem fazer o que estão fazendo e esse foco fica muito claro quando se compara essa atitude com lojas comuns, onde os vendedores são instruídos unicamente para vender.

Valor de verdade: a expressão mais usada no mundo corporativo é “agregar valor”. Ora, segundo Haque, mais valor é uma ilusão. A maioria das empresas consegue criar um pequeno valor, nada significativo que justifique o uso indiscriminado do termo. Valor de verdade, grande, para Haque, tem que ser sustentável. Isso significa realmente fazer melhor, não apenas adicionar botões em um telefone ou sabores em um refrigerante.

O pessoal das antigas, que se sente seguro nas práticas de inovação do século XX sente-se ameaçado e desafiado com o conceito de awesomeness, porque eles o consideram nebuloso e impreciso. Mas a geração M, como Haque chama o pessoal com a cabeça no século XXI (mais tarde falarei desse povo) sabe muito bem reconhecer um awesomeness quando vê um, uma vez que o conceito faz todo o sentido, é profundo e tem ressonância nas suas práticas e filosofia de vida.

O parágrafo final é tão definitivo que vou traduzi-lo quase literalmente:

Você pode ser inovador, mas você é awesomeness? Para a maioria, a resposta é: não. Game over: no século XXI, se você é meramente inovador, prepare-se para se tornar obsoleto pelo awesomeness“*

E sua empresa? É inovadora ou awesomeness?

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*Na verdade, em vez de “tornar obsoleto” ele usou “disruptado“, num jogo de palavras com a inovação disruptiva, também conhecida como inovação radical, que torna obsoleto tudo o que havia antes.

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Publicado originalmente em setembro de 2009 com o título “Inovação obsoleta”.

Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br

Profissional commodity

Em qualquer profissão é assim: existe uma massa enorme que vive de salário e faz o que os outros mandam fazer; essas pessoas são facilmente substituíveis e são aquelas focadas no salário base e no dissídio da categoria. Morrem de medo de perder o emprego, com toda razão, pois são profissionais commodities.

Mas há também os profissionais de marca, aqueles que custam mais caro. Eles têm um preço maior porque geralmente entregam mais valor. E, não custa lembrar, valor é sempre do ponto de vista de quem está pagando, ou seja, do cliente. Uma pós-graduação só é valor para o cliente se realmente o conhecimento for aplicado para fazer alguma diferença perceptível. Se a pessoa é cheia de diplomas mas faz exatamente o mesmo trabalho do que quem tem apenas a graduação, pra que pagar mais caro, não é mesmo? Você quer um encanador com MBA custando 10 vezes mais? Não, a gente quer alguém que conserte a torneira. Se tem um monte de gente que conserta torneiras, vou escolher pagar o mínimo. Agora, se o encanador com MBA bolou um sistema revolucionário para economizar 90% de água sem ter que mexer nos canos que já existem, ele pode custar mais caro sim, e muita gente vai contratá-lo.

Criatividade sem dono

— Pois é, a área técnica é muito limitada. Por isso escolhi trabalhar com criatividade.

— Sabe o que é? Não fico bitolado nesses detalhes técnicos porque sou muito criativo, viajo mesmo.

Vivo escutando essas frases de designers, publicitários, ilustradores, artistas plásticos e todos esses profissionais que se convencionou chamar “criativos”. É praticamente um consenso: eles são a parte criativa da sociedade. O resto das pessoas é bitolada, um pouco limitada, tem dificuldade para entender arroubos de inovação. Eu aceitava isso sem questionar muito. Mas, esses dias, ao ouvir pela enésima vez essa fórmula tão pouco criativa, comecei a questioná-la.

Os logos não são tudo aquilo que se pensava

Acabei de ler “A lógica do consumo: verdades e mentiras sobre o que compramos” e estou encantada, assustada, perplexa, curiosa e cheia de palavras. Pena que a versão brasileira não conseguiu achar nada equivalente para traduzir a grande sacada que é “Buyology”, o título original.

O volume, escrito pelo consultor dinamarquês especializado em global branding, Martin Lindstrom, deveria ser leitura obrigatória para todo mundo que trabalha com marketing, design ou propaganda. É que o sujeito conseguiu parceiros suficientes para organizar o maior estudo até então feito sobre neuromarketing; ou seja, deu um jeito de escarafunchar nosso cérebro para descobrir como tomamos as decisões de compra.Baseada nessa e em outras pesquisas (uma delas provou que aquelas figuras escabrosas que aparecem nas embalagens mostrando os efeitos deletérios do cigarro acendem as áreas relacionadas ao prazer no subconsciente dos fumantes), Lindstrom conclui que os anúncios que mais incitam uma pessoa a fumar são aqueles com advertências. Bonés, cinzeiros e brindes com as cores da marca (mas não necessariamente com ela impressa) ajudam muito, seguidas pelas poderosas imagens subliminares sem nenhuma referência explícita à marca.