Vidas extraordinárias

Desde a última vez que estive no Brasil, em dezembro do ano passado, estou para compartilhar uma experiência riquíssima que tive em Belo Horizonte; fui convidada a assistir uma palestra sobre inclusão de pessoas com deficiência promovida pelo Programa SENAC de Acessibilidade. As histórias que ouvi, na ocasião, fizeram-me ver as coisas de um modo totalmente novo.

Primeiro, aprendi que o termo “pessoas portadoras de deficiência” não é adequado, pois tudo que é portado por alguém, não faz parte da pessoa, e pode ser retirado quando não for mais necessário. Posso portar uma bolsa, um crachá, um telefone. Mas não uma deficiência.

A expressão “pessoas com necessidades especiais” também não cabe, pois necessidades especiais são 300 toalhas brancas no camarim de um astro pop, por exemplo. Quem apenas quer se locomover, trabalhar, viver, não tem está pedindo nada de especial; são necessidades básicas de qualquer ser humano.

Pessoa deficiente” enfatiza uma qualidade negativa que não é o principal fator identificador daquele ser humano. Então, o mais adequado é “pessoa com deficiência“.

No total, foram quatro palestras muito inspiradoras e transformadoras. Primeiro, fiquei conhecendo o projeto Mano Down, um trocadilho bem-humorado com o nome do famoso rapper brasileiro Mano Brown. Leonardo Gontijo tem um irmão caçula, o Dudu, com síndrome de Down. Desde a infância, os dois são muito ligados e Leonardo resolveu se dedicar a fazer de Dudu uma pessoa autônoma e realizada. Dudu do Cavaco, como é mais conhecido, é músico e faz shows e palestras por todo o Brasil. Uma linda história de amor entre dois irmãos.

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Leonardo Gontijo e Dudu do Cavaco, o Mano Down.

Depois da palestra esclarecedora da advogada Patrícia Siqueira, do Ministério do Trabalho, sobre as leis de cotas nas empresas, veio a incrível história do David. Um moço bonito e inteligente, de 27 anos, cheio de dúvidas, questionamentos e desejos; exatamente como você e eu. Só que o David nasceu sem as pernas e com apenas o toco do braço esquerdo. O mais incrível do caso dele, para mim, foi a atitude da mãe. Grávida aos 17 anos e sozinha (o pai do menino não quis nem saber e desapareceu assim que soube da gravidez), fez tudo que estava ao seu alcance para fazer do filho uma pessoa independente e com uma autoestima saudável. Lutou para que ele sempre estudasse em escolas públicas comuns, frequentasse todos os programas dos garotos da idade, andasse pela cidade sozinho e sem auxílio, enfim. Essa mulher é um ser humano realmente excepcional, conseguiu fazer com que a falta dos membros do filho fosse apenas um detalhe na vida dele (e dela). O resultado é o que David conseguiu estudar (faz Direito), viaja e se locomove sozinho com o auxílio de uma cadeira de rodas elétrica e trabalha como palestrante na mesma empresa que me representa no Brasil, a DMT Palestras. Não é para encher de orgulho todos os envolvidos?

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David Cesar, meu colega de trabalho.

Por último, impossível não se encantar com o bom-humor dos Irmãos FOT, os queridos Romário e Ricardo Fot. Eles são gêmeos e se descobriram completamente cegos aos nove anos de idade, vítimas da “Síndrome do olho de gato“. Mas isso não os intimidou: ambos têm curso superior e pós-graduação, sendo que o Ricardo é professor em uma faculdade de administração. Os dois também viajam pelo Brasil dando palestras, ajudando as empresas a entender e incluir a diversidade nos seus quadros.

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Romário e Ricardo, os queridos irmãos FOT.

O Brasil tem nada menos de 45 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, que você não vê porque elas sequer conseguem andar na rua, quando mais estudar. Nem toda pessoa com deficiência tem uma família estruturada, bem resolvida e amorosa para ajudar a superar tantas dificuldades. Quanto mais gente conhecer a realidade, mais se perderá o medo do desconhecido e se aproveitará esses talentos desperdiçados.

Se você tem uma empresa, penso que seria de grande valia contratar qualquer um deles (ou todos); empatia, superação, proatividade e, principalmente, muito amor envolvido. Só pode fazer bem.

Muito obrigada, SENAC/MG, Tio Flávio Cultural e DMT Palestras; vocês, como sempre, me proporcionando essas experiências inesquecíveis.