Sexo alemão
Ultimamente uma coisa tem me obcecado, dormindo ou acordada: sexo.
Só penso nisso o dia inteiro e fico ainda mais agitada quando olho ao redor com mais atenção. Todo mundo sabe que sexo é importante, mas nunca pensei que fosse depender disso para estudar e ganhar a vida no futuro.
Calma, eu explico.
Preciso saber desesperadamente o sexo, ou melhor, o gênero, de todos os substantivos da língua alemã (pelo menos os mais comuns, no começo) para poder falar o idioma decentemente. Além dos básicos mesa, cadeira, livro, me pego esperando o metrô e pensando: qual seria a orientação sexual da unha do dedão do pé (seja lá que nome isso tenha em alemão, mas há de ter, pois eles têm palavras para tudo)? E do piercing no nariz da menina ao meu lado? Mostarda tem sexo? E fivela de cinto? Caspa em alemão é feminino, masculino ou neutro? Ah, sim, o neutro, mais esse complicador…
Como singela amostra, saiba que moça é neutro (das Mädchen), sol é feminino (die Sonne) e dúvida é masculino (der Zweifel). Agora, reflita comigo sobre a complexidade da vida em geral e desse idioma em particular.
Tudo bem, em português o gênero das coisas também foi escolhido aparentemente de maneira aleatória (deve ser o mesmo gerador randômico dos portões de embarque em Congonhas) e não tem mesmo como explicar para um gringo porque se fala A pereba, mas O furúnculo. Só que a gente teve a vida inteira para aprender; não foi aos 2 aninhos de idade que passamos a dominar o assunto só de ouvir a mamãe falar A tetéia e O bichinho.
Se ao menos as línguas fizessem benchmarking e adotassem as melhores práticas, tudo seria simples como no inglês: feminino é só para mulher; masculino é só para homem e todo o resto (grampos de roupa, nenúfares, filmes dinarmarqueses, porquinhos da índia, piolhos e baton perolizado, entre outras coisas) é neutro. E ponto. Pra que complicar? Aliás, cada vez tenho mais provas de que o inglês é o esperanto moderno, pois que outra saída a professora alemã teria ao ver a cara de desespero de uma grega, uma vietnamita, uma australiana, uma japonesa, duas espanholas, uma russa, uma tcheca, uma canadense e uma brasileira? (É, a sala só tem mulher, parece que os homens não estão muito interessados no chucrute)
A preocupação se justifica: é que em alemão, o sexo das coisas define praticamente tudo. Não só todas as raças de pronomes, todas as categorias de artigos, como também todas as declinações (que dependem do verbo ser genitivo, dativo, nominativo ou acusativo, isto é, se o objeto é passivo ou ativo – não falei que tudo acaba em sexo nessa terra de bárbaros?). No caso dos pronomes possessivos, ainda tem que combinar o sexo do objeto com o sexo do proprietário (feminino, masculino ou neutro, uma suruba sem fim).
Ah, e tem também o lance do plural.
Gente, por que alemão tem essa peculiar mania de complicar as coisas? Na maior parte das línguas, até onde sei, tudo se resolve com uma ou duas letras. Ou você tasca um “s” no final ou faz intercâmbio, sei lá, de duas vogais, como em inglês e italiano, por exemplo. Mas não: aqui tem, até onde pude contar, 9 (eu disse NOVE!) maneiras diferentes de se fazer o plural de uma palavra. A probabilidade de você escolher a resposta errada é praticamente 100%. Batata. Ou, no caso, Kartoffel.
Sim, porque também é preciso ressaltar que, da mesma forma que o gênero das palavras, para saber como é o plural delas também não há regras. Cada qual tem lá suas taras e fantasias, suas preferências; há que se respeitar a individualidade e os caprichos de cada vocábulo, fazer o quê? O jeito é relaxar e virar amiga de infância desse bando de letrinhas mancomunadas, já que vou ter que achar uma maneira de hospedá-las indefinidamente dentro do meu pobre cérebro, para o bem ou para o mal.
Aiaiai. Que venham os verbos…
Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br
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