Dançando com Shiva

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A coluna dessa semana no Acontecendo Aqui fala da minha descoberta do yôga e o que essa arte milenar tem em comum com o design.

DESIGN YÔGIN

07-08-07 Sempre gostei de atividade física. Pratiquei natação por anos e fiz ginástica olímpica muito antes dos pais da Daiane dos Santos pensarem em namorar (cheguei a fraturar a clavícula num salto mortal mal sucedido). Anos depois, integrei o corpo de dança contemporânea da universidade e cheguei até a fazer capoeira. Mas, depois que me formei, por conta das muitas viagens a trabalho, acabei deixando a dança e partindo para a musculação (que o-d-e-i-o). Perdão aos fãs da modalidade, mas me sinto estúpida repetindo aqueles exercícios bobos em meio ao desfile que rola em uma academia. Até que, no ano passado, descobri o yôga.

Yôga (é assim mesmo que se escreve se a gente levar em consideração a tradução direta do sânscrito, no alfabeto dêvaganárí) significa integridade, integração, união. Ao contrário do que muita gente pensa, não tem nada a ver com religião ou misticismo (isso não combinaria muito comigo). Também não é uma modalidade esportiva, mas uma filosofia de vida, com muitos benefícios físicos. Confesso que ainda estou focada nos benefícios físicos e adorando. Talvez, mais tarde, desfrute o que a filosofia tem a me ensinar.

Olha só que história inspiradora: reza a lenda que Shiva, o grande dançarino, que viveu há 5 mil anos no noroeste da Índia, foi quem deu origem ao que conhecemos hoje por yôga. O povo drávida, que transformou a dança de Shiva em método 2 mil anos depois, era bastante civilizado. Escavações arqueológicas revelaram, no fim do século XIX, cidades muito bem planejadas, com largas avenidas e instalações sanitárias dentro das casas (isso há 3 mil anos!). Essa sociedade era tântrica (matriarcal, sensorial, desrepressora) e sámkhya (naturalista, ou seja, não religiosa). Eles viveram assim até serem invadidos pelos arianos, povo sub-bárbaro vindo da Europa Central. Suas cidades foram destruídas e a sua cultura, bastante alterada, pois os invasores eram o seu oposto: guerreiros, místicos, patriarcais e repressores. Mesmo assim, os arianos gostaram da dança de Shiva e acabaram adaptando alguns princípios à sua cultura, criando, assim, o yôga clássico. Os drávidas foram mortos ou escravizados, mas alguns conseguiram escapar, fugindo para o sul, instalando-se no Sri-Lanka e transmitindo os ensinamentos originais aos seus descendentes.

Bom, isso explica o fato de que há tantos tipos de yôga por aí (já foram catalogados 108!). As culturas foram se adaptando e as pessoas reagem de maneira diferente ao encantamento que a prática provoca – alguns transformaram o yôga numa espécie de religião, com regras duras e repressoras. Há os que o converteram em moda, esporte, alternativa de vida, ideologia. Pessoalmente não vejo problema, desde que estejam felizes e se mexendo.

Como não tenho muito conhecimento dos outros tipos, só posso falar do que pratico, o Swásthya Yôga, uma modalidade pré-clássica, pré-ariana e que ainda traz os valores principais do povo dravídico. Swásthya é o yôga antigo e significa, em sânscrito, auto-suficiência, saúde, bem estar, conforto, satisfação.

Um longo e sério trabalho de pesquisa conseguiu resgatar e reunir as informações referentes a essa prática e codificá-la em regras e princípios de maneira organizada. É o mais próximo que se pode ter daquele yôga original que Shiva e os dravídicos praticavam. É muito bem fundamentado tecnicamente (isso é essencial para qualquer coisa que eu pratique), e, por isso, é fácil entender o porquê de cada ato.

As oito regras gerais de execução dos ásanas (que são aqueles movimentos quase acrobáticos e belíssimos) são tão bem sacadas que poderiam servir para orientar todos os nossos atos. Olha só:

1. Respiração coordenada: significa que os movimentos para cima são sempre feitos com inspiração; os movimentos para baixo são realizados expirando-se.

2. Permanência: significa permanecer na posição enquanto o conforto e o bom-senso assim o permitirem. Parece-me inteligente.

3. Repetição: Você já viu um gato ficar repetindo várias vezes uma seqüência de alongamento? Pois é, no yôga antigo, inspirado na natureza, a regra é a seguinte: permanência máxima, repetição mínima (adorei isso!).

4. Localização da consciência: Sabe a parte do corpo que você está sentindo mais? É ela que requer atenção. Pense nela, então. Concentre-se. O sangue irá fluir naturalmente para essa parte.

5. Mentalização: Essa regra é bem coerente com aquelas todas que dizem que a gente tem que mentalizar e imaginar o que se quer, que o cérebro vai atrás para realizar. Também se utiliza muito o princípio das cores, imaginando-as aplicadas em partes do corpo para obter os efeitos desejados.

6. Ângulo didático: Trata-se da posição do corpo em relação ao observador, para que ele possa ver melhor. Aí aparece a preocupação estética. Os movimentos devem ser bonitos de se ver.

7. Compensação: Todo o movimento feito para um lado deve ser feito para o outro também. Não consta nos manuais de yôga, mas isso me faz pensar nos lados do cérebro: toda vez que eu exercitar o lado esquerdo (lógico, analítico), deveria, por essa regra, exercitar também o direito (emocional, simultâneo).

8. Segurança: Aqui, o que vale é se esforçar sem forçar. Dores, desconfortos, aceleração cardíaca ou excesso de suor devem ser observados e tratados com cautela, pois é o nosso organismo reclamando.

O que mais me encanta é a coreografia (os movimentos nunca são estanques, você precisa realizar encadeamentos espontâneos entre eles). É preciso estar em excelente forma para realizar os ásanas, e para isso a gente treina muito, mesmo sem repetir seqüências. Além disso, é divertido e empolgante, já que o Swásthya Yôga preza o princípio tântrico da alegria dos dravídicos (nada de cara feia). Sem dizer as aulas de sânscrito que vêm como brinde, a cada movimento que a gente realiza e aprende o esquisitíssimo nome.

Penso que o yôga tem muito a ver com design. O seu conceito, a sua fundamentação, a sua técnica, a sua seriedade. A sua simetria, a sua alegria, a sua preocupação com quem observa, a sua concentração no corpo. E, não menos importante, a sua preocupação estética.

Vai ver, o design pratica yôga desde que nasceu e nunca tinha se dado conta.

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