Uma leitora me perguntou se toy art é design, arte ou nenhum dos dois. O que você acha? Leia a coluna da semana e saiba a que conclusão cheguei.
Toy art é arte ou design?
26-03-2008 Se você é hype, cult, fashion ou costuma usar quaisquer desses adjetivos em inglês usados para descrever pessoas descoladas, não só sabe o que é um toy art como inclusive possui alguns exemplares. Mas se você achou o título dessa coluna um mistério e não sabe se estamos falando de comida ou de bebida, não se preocupe que eu explico.
Toy art é um tipo de bonequinho feito de plástico, vinil ou outro material qualquer que virou mania no Japão no final dos anos 90 e depois dominou o resto do mundo. Alguns modelitos são bem caros e, apesar das carinhas fofas e das cores fortes, são voltados para o público adulto. Esses brinquedinhos também são chamados de designer toys, e aí é que começa a confusão. Afinal, esse negócio é arte ou design? Ou nenhum dos dois?
Pois é, essa foi a pergunta que me fez a leitora Juliana, que anda enlouquecida porque precisa fazer um trabalho para seu curso de moda e não consegue chegar a uma conclusão.
Então, vamos por partes: Toy art é arte? A dúvida da Juliana é que, apesar de algumas séries desses brinquedos possuírem alguma intenção artística, é um produto de consumo fabricado em escala industrial (algumas edições limitadas chegam a 2.000 exemplares).
Pois, é, Juliana, mas o que é mesmo arte? Bom, a resposta a essa pergunta merece um verdadeiro tratado, até porque ela muda de acordo com a sociedade, a época e o contexto. Mas como precisamos resolver essa questão logo, diria que nesse caso a gente pode usar a definição mais genérica, que diz que arte é uma atividade humana ligada a manifestações estéticas que traduzem percepções, emoções e idéias. Sobre a produção em massa, Andy Warhol já tinha resolvido essa questão, lembra? Então, com um pouco de flexibilidade e boa vontade, dá sim para considerar o toy art um objeto de arte. Os bichinhos andam freqüentando inclusive grandes museus ao redor do globo. Há um mundo inteirinho de categorias, subcategorias e até crítica especializada, além de muitos estudiosos dedicados a estudar o fenômeno. Eu diria que para um leigo é até mais fácil entender esses personagens como manifestações artísticas do que alguns tipos misteriosos de instalações contemporâneas.
Ok, mas e o design? A Juliana diz que os bonecos são realmente produzidos em série, mas eles são apenas decorativos, não possuem função alguma, portanto, não podem ser design. Como assim não têm função, Juliana?
Vamos ver a definição de design que costumo usar, que consiste na tríade projeto–conceito–estética. O toy art tem projeto (senão não daria para produzir em escala), leva em consideração o conceito (que explica a intenção do objeto e porque o designer optou por essa forma, material, cores e tudo mais) e preza a questão estética.
Você achou que ficou faltando a função nessa definição? Vamos lá. Se a gente for olhar o estado-da-arte do estudo da função no design, vai verificar que o simbólico está cada vez mais merecendo atenção dos pesquisadores. A função continua essencial, mas não é mais diferencial nos objetos de design. Todos os carros funcionam de maneira semelhante (e todos são suficientemente eficientes). O que faz uma pessoa escolher um modelo em detrimento de outro não é a função, mas o que aquele objeto significa para ela. As coisas que nos fazem companhia no dia-a-dia são escolhidas muito mais porque traduzem nossa identidade do que pela função propriamente dita, já que as demais opções também seriam satisfatórias do ponto de vista funcional.
Pense bem — eu posso usar qualquer coisa como chaveiro, até um pedaço de barbante velho. Então por que os designers se dariam ao trabalho de produzir chaveiros? Justamente para ajudar as pessoas a se mostrarem para o mundo, a se posicionarem, a traduzirem o seu eu. Então, um toy art, nesse caso, tem a mesma função que um chaveiro, um carro, uma blusa, uma bolsa. Ele mostra para o mundo quem a pessoa é, a qual grupo ela pertence, o que ela pensa da vida. Em resumo, a função do toy art é demonstrar que seu dono comunga dos valores da tribo hype, fashion e cult.
Você acha pouco?
Lígia Fascioni | www.ligiafascioni.com.br
Thiago Nunes
Ai ai.. mulher inteligente é tão bom que dá até uma dor no peito, pena que já sou casado!!
Lígia, ótimo texto, maravilhoso, sucinto, eficaz, culto, bonito, de ótimo conceito, e se analisarmos pelos olhos da alma, de estética maravilhosa. Em suma, este seu texto é um objeto de Design !!
Rômolo
Muito bom! Adorei a conclusão.
E esta foi uma das melhores sínteses sobre “o que é arte” que eu ja ouvi: atividade humana ligada a manifestações estéticas que traduzem percepções, emoções e idéias. Vou guardá-la pra mim.
Matheus
Lígia, não lembro de ter visto nenhum conceito de design do tipo “tríade projeto-conceito-estética” Vou citar Bern Löbach, no livro “Design Industrial: Bases para a configuração dos produtos industriais”:
“O processo de adaptação de produtos de uso, fabricados industrialmente, às necessidades físicas e psíquicas dos usuários ou grupos de usuários”.
Se o toy-art atende as psíquicas ou de grupos (função simbólica) onde estão as físicas? Logo, você precisa que seu chaveiro receba mais atenção que servir de utilitário para agrupar objetos funcionais? Assim, a necessidade (prática) é um objeto de atividade humana ligada a manifestações estéticas que traduzem percepções, emoções e idéias.
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Lígia Fascioni: Oi, Matheus! Você não viu esse conceito em nenhum lugar porque fui eu quem o cunhou, como resultado do debate de uma aula na disciplina Novos Paradigmas do Design no meu curso de doutorado. Eu já tinha lido muito a respeito e as definições dariam uma verdadeira bíblia de citações. Resumindo tudo, cheguei nessa conclusão, que descrevo com mais detalhes nos meus livros “Quem sua empresa pensa que é?” e “O design do designer”. Sei que é pretensão, por isso nunca o apresento com “o conceito de design”, mas sim aquele que eu uso.
Sobre a necessidade prática, concordo com você que o chaveiro foi um exemplo fraco, mas vou lhe dar outro: jóias. Você então acha que design de jóias não é design, mas arte?
Thiago Valenti
Lígia, falando em toy art, tem dois “malucos” em Blumenau que começaram a fazer na brincadeira, e o negócio está indo bem. Olha ai: http://www.stopatoys.com
E, ao contrário da premissa fast-fashion dos dias de hoje, os brinquedos deles são feitos manualmente. Isso sim eu acho muito legal mesmo..
PS: não consegui ir a exposição Design e a mente elástica em Nova York, problemas gregorianos (de calendário) e familiares (família que não estava afim de me acompanhar ao outro lado da cidade pra ver a exposição). Triste, conformo-me.
Felipe
Seu blog eh D+!
voltarei sempre que puder.
parabens!
Stopatoys
Olá Lígia!
Não atuo na área de design, mas gostei muito do seu texto, e gostaria de comentar. Estou fabricando toy art aqui em Blumenau, os “transtornos” da stopatoys, citado pelo Thiago acima.
Quando começamos a ler sobre toy art e tentar entender como começou essa produção pelo mundo e especialmente na Europa, compreendemos que este movimento é uma nova forma de arte, uma forma de expressão urbana… conteporânea da realidade. Ou seja, eles surgem para quebrar alguns paradigmas sociais com a liberdade de criação, e não são “politicamente corretos”. Caracterizam uma nova vertente no mercado que são os brinquedos para adultos.
Existem diferentes tipos de toy art, como você citou, os fabricados em larga escala, em plástico, vinil, e os “handmade dolls” que são mais personalizados e limitados. Acredito que todos os tipos de toy art coincidem em pelo menos dois objetivos: um que é agregar valor ao produto com a criação, com a arte e o conceito, e outro que atender a demanda do mercado, oferecendo um produto diferente do que estava disponível atualmente!
E pelo espaço que eles estão ganhando em diferentes áreas como moda, design, arte, arquitetura, psicologia… podemos garantir que estão agradando … e muito!!!
Parabéns pelo texto!
Monique e Ricardo.
Fabricio
De fato esses toy andam ganhando muito espaço agora no cenário nacional, ja tendo diversas fabricações brasileiras com os mais diversos materiais. Para quem se interessar pelos toy brasileiros dao uma conferida em ted hole, bicudo, BasiQ, Boo+ todos esses foram desenvolvidos por pessoas na área de design.. tem umas foto no site
Alexandre
Parabéns… cai em uma discussão ferrenha com um colega meu essa semana que também faz o curso de Design gráfico…
Ele afirmava com toda convicção que o Toy Art é arte…
foi bem esclarecedor, fantastic…