A despeito dos hipsters, uso produtos da Apple muito antes de virarem moda; lembro que o primeiro computador da marca que usei ainda se chamava Macintosh e era todo quadradinho, lá nos idos dos anos 90 do século passado. Já passei por vários sistemas operacionais (Unix, Linux, DOS, Windows e alguns específicos de microprocessadores) e para mim ainda não há nada que bata o iOS em termos de segurança, usabilidade e confiabilidade.
Concordo que é exagero e até um certo fanatismo ficar na porta da loja fazendo fila cada vez que a empresa lança um produto novo (geralmente espero o lançamento do seguinte para comprar o anterior com um preço melhor e bugs corrigidos), mas não posso negar que sou uma admiradora de longuíssima data.
Era fã apenas dos produtos, pois, além do site (um clássico, na minha opinião), nunca havia tido contato com lojas físicas. Pois bem, agora tenho a sorte de morar a apenas algumas quadras da Apple Store de Berlin. Ainda não comprei nenhum produto lá (meu telefone, de 2 anos, ainda está ok, e os computadores precisam ser encomendados pelo site, já que os da loja têm teclado alemão), mas frequento o lugar toda semana. É que esse povo realmente sabe como fazer marketing de varejo; cada vez que vou é uma lição a ser aprendida.
Além do atendimento espetacular (o time é enorme, para cada lado que você se vira tem um vendedor que parece muito feliz em lhe ajudar), há também as atividades paralelas: cursos, palestras, consultorias, workshops e até shows.
A loja, inaugurada no final do ano passado, está instalada ao lado de um antigo cinema. Eles restauraram todo o prédio e usam o cinema e as instalações anexas para oferecer cursos gratuitos dos aplicativos, sistema operacional e como tirar o melhor proveito de cada um dos equipamentos. Você quer comprar um iPad e não sabe qual? Eles explicam as diferenças técnicas entre os modelos e indicam o melhor para a sua necessidade de cada pessoa (não recomendam sempre o mais caro; são inteligentes e querem fidelidade). Olha, até penso que se houvesse um suporte assim no Brasil, ia ouvir menos pessoas reclamando que perderam todos os contatos quando o telefone foi roubado ou perdido (maior absurdo do mundo, coisa típica de quem não está usando corretamente o equipamento).
A maioria dos cursos de produtos específicos (softwares e aplicativos) são em alemão, mas quando o workshop é com um convidado (que geralmente não fala alemão), aí é em inglês mesmo. Por exemplo, já assisti uma palestra com o ilustrador espanhol Rafa Alvarez e achei que ia ser pura propaganda do iPad, que ele usa para desenhar. Que nada, o moço contou um caso em que realizou um trabalho numa viagem de avião, elogiou o equipamento e mais nada. O resto foi o portfólio dele mesmo e a promoção do próprio trabalho (nada mais justo, acho que ele não ganha nada para fazer a palestra, é só uma oportunidade de divulgação; todo mundo sai ganhando). Também assisti a uma apresentação do aplicativo para se ouvir concertos da Filarmônica de Berlin (eles chamam de Digital Concert Hall), cujo projeto foi de um músico da própria orquestra. A equipe explicou como o trabalho foi desenvolvido e ainda deu uma palhinha no final. Às vezes a palestra não tem nada a ver com a Apple nem com a loja, mas traz um assunto que pode ser de interesse dos clientes, como inovação, arte, música, design, etc.
E não é só isso: músicos em geral podem fazer pocket shows para promover seus trabalhos no auditório belíssimo (o tal ex-cinema). Eles também podem vender CDs, claro, mas geralmente têm músicas disponíveis na loja iTunes. Para quem está cadastrado na Apple, resida ou não em Berlin, é tudo de graça (ficou claro por que não saio de lá?).
Será que os comerciantes brasileiros não poderiam aproveitar essa ideia como modo de fidelizar seus clientes e fortalecer a marca? Ações onde todos os envolvidos são beneficiados e a marca mais ainda?
Penso que shoppings poderiam usar as salas de cinema no período da manhã em parceria com as lojas; os bancos sempre têm salas de reunião onde poderiam oferecer cursos de interesse de seus clientes; floriculturas poderiam usar seu espaço para ensinar como se planta; cafeterias poderiam oferecer palestras sobre barismo; boutiques poderiam falar sobre moda; restaurantes poderiam promover cursos de gastronomia; academias poderiam organizar eventos informativos sobre práticas esportivas e nutrição; enfim, as possibilidades são infinitas! No Brasil, sei apenas do O Boticário e Contem 1g que dão cursos de maquiagem e mais nada.
As lojas de eletrodomésticos, por exemplo, poderiam oferecer uma palestra para quem está interessado em comprar geladeiras (ou TVs, equipamentos de som, etc). Eles poderiam mostrar as diferenças entre os vários modelos e as adequações a cada caso; economizaria um tempão do cliente e a loja ganharia pontos por tomar a iniciativa de facilitar o processo decisório, que, em alguns casos, é bem complexo. Sem falar que haveria mais gente circulando pelo estabelecimento (apesar de ter uma entrada independente, o participante sempre tem que passar por dentro da loja para fazer um curso na Apple).
Em março vou fazer um curso específico de primeiros socorros para gatos domésticos oferecido pela clínica onde nossas princesas são atendidas. Além de praticar o alemão, posso aumentar a rede de contatos com pessoas que compartilham interesses semelhantes e ainda tenho certeza que vou aprender um monte de coisas úteis; tudo isso por apenas € 10. Olhaí uma oportunidade para o mar de pet shops que estão competindo por preço e reclamando da vida.
Tem tanto espaço ocioso e tanta oportunidade de fazer diferença com ideias tão simples! Fica a dica…
Ênio Padilha
Que aula, Lígia! O nono e o décimo parágrafos deveriam ser precedidos por um “presta atenção aqui!” para que a moçada aprenda o oceano de possibilidades dos seus negócios.
PS. Também sou fã da Apple.
Andre SÖla
É bacana!
Suellen Machado
Oi Ligia, sei que o post é antigo mas me deparei com seu blog agora depois de algumas pesquisas e estou me deliciando nos posts de Marketing, minha área de atuação também. Bom um comentário complementar sobre essa questão do aproveitamento de espaço e de inovação por parte dos varegistas brasileiros. Até onde tenho contato não mudou nada desde 2014 e só tenho conhecimento do O Boticário e da Contém 1g fazendo ações como os cursos de maquiagem, etc. O varejo nesse ano de 2016 vive uma de suas grandes retrações depois de anos surfando na onda “das linhas brancas” e espero que venham a aprender com esse cenário negativo e busquem alternativas criativas para usarem melhor seus imensos espaço compartilhando conhecimento. Além de que, no geral a experiência de comprar um eletrodoméstico no Brasil é sofrível, os atendentes não tem o mínimo conhecimento do produto que vendem e muito menos habilidade para ensinar o cliente a usar. O espaço eles poderiam começar usando para compartilhar conhecimento com suas próprias equipes.
Aproveitando parabéns pelo trabalho e pelo Blog, realmente cumpri a sua missão que é de compartilhar conhecimento.
ligiafascioni
Oi, Suellen! Também espero que alguma coisa boa apareça como consequência da crise. No Brasil tem muita coisa boa no atendimento, quando o vendedor é bem treinado, pois ele consegue ter mais empatia. Penso que tudo passa pela educação, o que, infelizmente, tem sido muito negligenciada. Sempre falo que você só terá uma boa camareira de hotel, se for dada a ela a chance de se hospedar como cliente comum pelo menos uma vez na vida, como parte do treinamento. O mesmo vale para garçons; se eles nunca foram servidos, se não têm a oportunidade de ver o outro ponto de vista, como podem ser bons profissionais? Ainda falta muito, mas já estivemos mais longe. Abraços e obrigada 🙂