Ficção científica é um tema que me atrai, mas o contexto em que “Der Rote Planet” (Tradução livre: “O planeta vermelho”), de A. Bogdanow, foi escrito, torna a leitura mais atrativa. O livro foi publicado pela primeira vez na Rússia, em 1908, sob pseudônimo. O autor, Alexander Malinowski, era um médico, revolucionário e filósofo. Ele acreditava que se podia recuperar a juventude fazendo transfusões de sangue (criou o primeiro instituto para essas pesquisas). Ironicamente, morreu após receber sangue contaminado com malária e tuberculose.
O exemplar que encontrei num sebo foi publicado em 1986, na antiga Alemanha Oriental, como parte de uma coleção recomendada para jovens.
Mas vamos à história: Leonid é um cientista e revolucionário ativista do partido socialista que foi preso por discordar de algumas posições. Terminou com a namorada (por quem não parecia muito apaixonado), quando um camarada o convida a fazer parte de uma pesquisa. O tal camarada, ele vem a descobrir depois, é um extraterrestre que usa uma máscara. O ET se chama Nenni, e explica que Leonid está sendo observado há tempos. Por apresentar o perfil mais representativo do ser humano, foi selecionado cuidadosamente para visitar Marte. Ele, que não tem nada a perder, aceita.
A nave, escondida na Sibéria, é toda transparente e usa um sistema de propulsão nuclear que permite eles cheguem ao destino em apenas dois meses. Nesse tempo, Leonid aprende o idioma dos marcianos e conhece a tripulação (eles falam várias línguas da Terra, inclusive russo, pois passaram tempo pesquisando in loco). Os marcianos são cultíssimos, simpáticos, evoluídos e gentis, assim como o protagonista, como convém aos herois das utopias.
Fisicamente, os marcianos são parecidos com os humanos; apenas têm cabeças e olhos maiores (o planeta está mais distante do Sol, portanto recebe menos luz), não têm rugas de nenhum tipo e são mais longilíneos e neutros (não se distinguem homens e mulheres pelas curvas).
Aos poucos ele descobre porque foi o eleito: Marte (que tem a metade do diâmetro da Terra e que aparentemente tem um país só e fala somente uma língua) e é socialista! Sim, há que se lembrar que o livro é uma utopia, então o autor passa a descrever como ele imagina seu mundo ideal.
E o cenário é, de fato, bem interessante: ele descreve como é a organização política, que os marcianos antes haviam passado pelo capitalismo e chegaram a esse modelo por amadurecimento. Há descrições bem curiosas, se a gente pensar que o livro foi escrito no início do século XX: os trabalhadores das fábricas marcianas (bastante automatizadas), têm uma espécie de aplicativo onde escolhem onde e quando vão trabalhar. A carga horária é livre e eles podem escolher, por exemplo, trabalhar 5 horas durante uma semana numa fábrica e 2 horas por dia na outra semana em outra fábrica. Existem distritos onde só moram crianças cuidadas por tutores. Os pais (e as crianças) podem escolher quando, por quanto tempo e se querem ficar lá, o que dá liberdade e igualdade de oportunidade para as mulheres. As crianças também podem escolher ficar em quartos separados ou coletivos, de acordo com sua personalidade e humor. Escolhem também o que e quando estudar. As pessoas têm liberdade até para morrer; a morte assistida é uma realidade e feita com o maior conforto possível para quem faz essa escolha seja lá por que motivo for.
: os trabalhadores das fábricas marcianas (bastante automatizadas), têm uma espécie de aplicativo onde escolhem onde e quando vão trabalhar. A carga horária é livre e eles podem escolher, por exemplo, trabalhar 5 horas durante uma semana numa fábrica e 2 horas por dia na outra semana em outra fábrica. Existem distritos onde só moram crianças cuidadas por tutores. Os pais (e as crianças) podem escolher quando, por quanto tempo e se querem ficar lá, o que dá liberdade e igualdade de oportunidade para as mulheres. As crianças também podem escolher ficar em quartos separados ou coletivos, de acordo com sua personalidade e humor. Escolhem também o que e quando estudar. As pessoas têm liberdade até para morrer; a morte assistida é uma realidade e feita com o maior conforto possível para quem faz essa escolha seja lá por que motivo for.
Mesmo com tanta liberdade, achei engraçado como Leonid fica aliviado quando, ao se apaixonar por Letti, descobre que a médica é uma marciana fêmea (por algum motivo obscuro, ela não havia revelado antes seu gênero). Aparentemente seria um problema gigante para as duas partes se não fosse assim. Tudo bem casamentos interplanetários, desde de sejam heterossexuais..rsrs
O amor dos dois é bastante romântico, mas Letti, que é uma das maiores autoridades médicas do planeta, precisa ir a uma missão a Vênus. Leonid passa um tempo doente; enquanto se restabelece, descobre que o porquê da missão. Ele recupera gravações das reuniões em que o ex-marido de Letti, um astrônomo, sugere, como solução para a busca de recursos adicionais (os de Marte estão próximos ao esgotamento), que se extermine os seres humanos da Terra, já que, apesar de uma parte ser socialista, ainda se utiliza a violência e se abusa do poder de maneira muito atrasada (fiquei bem surpresa com as críticas, na minha opinião, bem lúcidas com relação aos regimes socialistas existentes na época; aí dá para entender porque o autor era um idealista e foi preso algumas vezes). O astrônomo acha que os terráqueos nunca conseguirão atingir o socialismo pleno porque ainda são muito egoístas e apegados ao poder. O comandante da missão e a médica Letti defendem que isso não trará a paz interplanetária e que não faz sentido exterminar uma civilização em detrimento de outra. A missão à Venus vence (é o outro planeta mais próximo), mas nosso protagonista fica muito abalado em saber que a hipótese de destruição da humanidade foi aventada.
Ele fica tão perturbado que, num momento de torpor e descontrole, acaba matando o tal astrônomo, autor da ideia, que tinha permanecido em Marte. Os marcianos, calmíssimos, colocam-no numa nave e o devolvem para a Terra (hahahaha… eles têm que ser muito evoluídos mesmo!), onde o deixam em um sanatório, aos cuidados de um médico. Leonid, que passou um ano fora, acaba se envolvendo na revolução russa e é ferido por uma granada.
Eis que, no final, Letti aparece para resgatá-lo, levando-o de volta à Marte, perdoando-o pelo assassinato de seu ex (acho que o assassinato foi inserido só para dar um ar de suspense, pois totalmente desnecessário). Final feliz, afinal.
Apesar das bizarrices, gostei muito de ler e descobrir o que seria o mundo ideal para o autor. Lá em Marte, é tudo muito parecido com a Terra, só que e vez de verde, toda a vegetação é vermelha. Como também é a cor do socialismo, penso que o paralelo faz todo o sentido com o Planeta Vermelho.
Um contraponto perfeito para esse livro é “A revolta de Atlas”, em que os mocinhos são igualmente nobres e o sistema liberal funciona perfeitamente e sem falhas entre os protagonistas.
A ideia do socialismo é maravilhosa, assim como a do liberalismo. Mas ambas são impraticáveis, na minha opinião, por um motivo muito simples: o ser humano estraga tudo.
Sinceramente, penso que nenhuma teoria bonita pode dar certo com esse atraso de vida que nós somos. O jeito é ir adaptando e tentando o equilíbrio entre esses extremos. Acredito que os países escadinavos e alguns na Europa estão mais bem encaminhados, mas ainda longe de uma solução ideal que possa ser aplicada em escala.
Para mim, ler utopias é como ler um romance; tudo tão lindo e perfeitinho. Eu até estava curtindo essa temporada em Marte…
NOTA: Recomendo muito a leitura, mas não encontrei nem em inglês. Então, quem quiser ler, vai ter que ser em alemão mesmo…
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