Uma das novidades que tenho para esse ano é o canal no Youtube Berlim Tech Talks; programetes de 10 minutos em que o Cláudio Villar, o Eduardo Otubo e eu conversamos despretensiosamente sobre inovação e tecnologia (aguardem; o lançamento está próximo!). Fizemos um grupo no Whatsapp para discutir as pautas e o Cláudio enviou esse ótimo artigo do Brian Merchant falando sobre como a Nike e a Boeing estão contratando escritores de ficção científica para predizer o futuro e ajudar no desenvolvimento de novos produtos (leia aqui na íntegra). O artigo é sensacional e, lá pelas tantas, Merchant cita o livro Science Fiction Prototyping: Designing the Future with Science Fiction, de Brian Davis Johnson, como uma referência de método para aplicar nas empresas com resultados práticos. É claro que não contei tempo e comprei logo o livro.
Brian é futurista da Intel; usando pesquisas em tecnologia, estudos etnográficos, análises de tendências e literatura de ficção científica, o trabalho dele é imaginar como será o futuro nas próximas décadas para que a empresa possa se preparar tanto para as oportunidades como também para as ameaças que esse futuro pode trazer.
Mas peraí: como é que a ficção científica pode ajudar, de fato uma empresa a se preparar para o futuro e até desenvolver novos produtos?
Bom, uma das primeiras obras conhecidas do gênero foi Frankestein, de Mary Shelley, em 1818, em que um médico usa seus conhecimentos científicos para construir um ser vivo a partir de partes de corpos de pessoas mortas. Depois veio o visionário Julio Verne, no final do século XIX, com suas histórias fantásticas e G.H. Wells. Aí, com o deslumbramento tecnológico da revolução industrial, tivemos a época de ouro de Isaac Asimov, Arthur C. Clarke e Ray Bardburry, entre outros.
Há muitas possibilidades no desenvolvimento desse gênero por conta da variedade de temas que podem ser abordados como cenários imaginados num futuro próximo ou distante, como viagens espaciais, viagens no tempo, deslocamentos mais rápidos que a luz, universos paralelos, mudanças climáticas, totalitarismo, vida extraterrestre, entre outras. O que separa a ficção científica das obras de fantasia é que a criatividade apresentada nas histórias do primeiro tipo sempre têm algum fundamento científico, pelo menos por princípio. Daí vem sua grande utilidade para as empresas.
Muitas das coisas que usamos hoje foram vistas pela primeira vez em obras desse gênero, como, por exemplo, os tablets usados em Star Treck. Bas Ording, um dos chefes de design de interação da Apple, admitiu que se inspirou no filme Minority Report para fazer o iPhone ser comandado por gestos (o filme, aliás, inspirou uma série de patentes, inclusive algumas relacionadas ao jogo Wii). Isso não acontece por acaso; os roteiristas de filmes de ficção científica consultam especialistas de universidades e centros de pesquisas para tornar a história plausível. Mesmo que ainda não exista a tecnologia, precisam saber se a ideia tem fundamento. Criatividade com conhecimento científico é uma ferramenta muito poderosa!
Quem já assistiu alguns episódios da série Black Mirror, da Netflix, sabe que, apesar que alguns produtos mostrados ainda não estarem disponíveis, é perfeitamente possível que um dia cheguem a ser. E, com criatividade e muito storytelling, pode-se prever os problemas e desdobramentos antes que esses produtos sejam colocados no mercado.
No livro, Brian mostra a técnica que desenvolveu fazendo workshops ao redor do mundo usando ficção científica como base para protótipos de situações que explorem as implicações, os efeitos e as ramificações da ciência e da tecnologia.
A ideia a ser explorada é que o futuro está totalmente em aberto e pode ser alterado pelas decisões tomadas no dia-a-dia; então, quanto mais exercícios de imaginação forem feitos, maior é a probabilidade de detectar os problemas e oportunidades com antecedência e mudar/evitar/adaptar/eliminar possíveis produtos. É claro que são apenas exercícios e a prototipagem na ficção científica não é exata; mas pode ajudar bastante.
Johnson fala sobre o The Tomorrow Project, uma coleção de contos criados por reconhecidos escritores de ficção científica para quem a Intel apresentou os dados mais atuais do trabalho que seus engenheiros andam fazendo nas áreas de robótica, telemática, fotônica, renderização física dinâmica e equipamentos inteligentes. Ele destaca que as histórias não são sobre tecnologia, mas sobre pessoas e seus comportamentos.
O autor mostra como construir seu próprio protótipo de ficção científica que pode ter o formato de uma história curta, um filme ou uma história em quadrinhos.
Brian alerta que, antes de começar, a primeira coisa a se fazer é definir a ideia principal (o porquê da história estar sendo contada e a teoria científica que está sendo trabalhada), que ele chama de outline, para depois colocá-la na forma de um plot, ou seja, a narrativa que mostra como os acontecimentos vão se desdobrar.
Pessoalmente, achei a explicação e os exemplos confusos e mal estruturados. Ele diz que a ideia principal não descreve os acontecimentos, mas faz exatamente isso ao explicar os cinco passos necessários para criar um outline, além de usar os mesmos cinco passos para criar o protótipo propriamente dito.
Mesmo assim, vou reproduzi-los aqui, porque de certa maneira eles ajudam mesmo a organizar as ideias.
PASSO 1: Escolha da ciência e construção do mundo
Essa é a parte mais demandante, pois implica em ler artigos científicos e entender o estado-da-arte da tecnologia que se quer usar como gancho. Por isso o método tem sido bem sucedido entre engenheiros-pesquisadores e cientistas. O autor recomenda que o futuro imaginado seja próximo (máximo 50 anos) para efeitos mais práticos.
PASSO 2: O ponto de inflexão científica
Aqui se explora os extremos da tecnologia que se quer explorar: que implicações teria se fosse adotada em massa? Qual a pior coisa que poderia dar errado e quais os impactos nos personagens da história? Qual a melhor coisa que poderia acontecer e as consequências para os personagens e locais da história? Se a tecnologia fosse aplicada numa casa comum, como ela seria utilizada no dia-a-dia?
PASSO 3: Ramificações da ciência nas pessoas
Aqui se questiona o efeito da tecnologia no dia-a-dia; vai tornar a vida das pessoas melhor ou pior? Como as pessoas se adaptam a essa tecnologia? Aqui é necessário criar uma situação em que ospersonagens tenham que agir por conta de algum impacto que o uso da tecnologia provocou. O uso de situações extremas ajuda a mapear e explorar as possibilidades, além de ajudar a encontrar a média para criar um cenário mais realista.
PASSO 4: O ponto de inflexão humano
Nesse ponto, vidas podem estar em perigo e se explora realmente as situações extremas. Perguntas: o que os personagens deveriam fazer para sobreviver? Quais são as ramificações humanas para a ciência que a situação traz?
PASSO 5: O que podemos aprender?
Nesse passo se faz a análise de toda a situação e o que poderia ser modificado em cada um dos passos anteriores para mudá-la? Que pontos foram subestimados? Há medos infundados? O que poderia permanecer igual? Como a pesquisa poderia ser melhorada?
Conclusão: achei a ideia extraordinária e muito útil. Mas o método, pelo menos da maneira como está descrito no livro, é confuso e pouco claro na estrutura. O autor mistura entrevistas (sempre muito enriquecedoras), exemplos, experiências pessoais e até tem uma história completa com ilustrações como anexo, mas tudo de uma maneira que não faz muito sentido (pelo menos para mim). Que fique claro; minha crítica não é com relação ao método em si, mas à estrutura didática do livro.
Outra coisa que observei é que ele usa ciência e tecnologia como termos intercambiáveis (ciência é o conhecimento adquirido baseado no método científico e tecnologia é a aplicação desse conhecimento na construção de ferramentas e métodos, de maneira que entendo que os termos não sinônimos; mas posso estar usando definições muito restritas).
De qualquer maneira, Brian tem feito sucesso pelo mundo afora aplicando a técnica e parece que os resultados têm sido bem animadores e proveitosos. Penso que vale a pena prestar atenção no que esse moço escreve…
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