Eu já havia me encantado pela obra dessa autora quando li “The age of miracles“. Pois esses dias, quando fiz a versão em audio para o podcast “Minha estante colorida“, acabei fazendo uma revisão e descobrindo que ela havia lançado um novo título em 2019. Comprei, claro.
“The dreamers” (Tradução livre: “Os sonhadores”), de Karen Thompson Walker, guarda alguma semelhança com a obra anterior, e talvez por isso eu tenha gostado tanto.
É o mesmo gênero de ficção com uma realidade alternativa, porém sem o arcabouço científico. Li em algum lugar que pode ser chamado de ficção especulativa.
A história é a seguinte: um belo dia, uma estudante de uma universidade numa cidade bem pequenininha na Califórnia volta de uma festa e se sente mal. Sua companheira de dormitório não se dá muito bem com ela, de maneira que a deixa dormindo e vai para aula. Quando volta, no fim do dia, a moça está exatamente na mesma posição, com roupas e sapatos. Chamado o pronto-atendimento, descobre-se que a garota está dormindo um sono profundíssimo. E não há quem consiga acordá-la.
Aos poucos, outros estudantes vão sendo acometidos do mesmo mal; há um vírus que faz com que a doença se espalhe. As pessoas dormem e algumas não acordam mais.
São sete meses de tensão, agonia e histórias dos habitantes da pequena cidade universitária, que acaba sendo isolada do resto do país para que o vírus não se espalhe mais.
Aí os dramas pessoais são contados com a maior elegância e sensibilidade; os medos, os cuidados, os negacionistas, os revoltados, os apavorados, os que acham que tudo é uma conspiração, os que desconfiam dos russos, os que desconfiam do governo. Tratamentos milagrosos que não funcionam, médicos e enfermeiros esgotados, bibliotecas e ginásios de esporte usados como hospitais de campanha. Enfim, tudo o que a gente já conhece. Mas a história levou quatro anos para ser finalizada e publicada em 2019. O ser humano é tão, mas tão previsível que chega a ser cômico.
O interessante são os pequenos dramas de cada personagem: duas meninas órfãs que moram com o pai que passa a vida se preparando para uma grande conspiração; um casal de professores recém mudado para a cidade com seu bebê de três semanas de vida; a colega de quarto da primeira vítima; um rapaz idealista que arrisca a vida para ajudar no que puder; um casal de professores em que um está num asilo e outro tentando levar o que sobrou da vida; uma médica mãe solo que viajou de outra cidade para analisar o caso e ficou presa.
O mais curioso dos doentes é que o cérebro trabalha incessantemente, como se eles tivessem vivendo outra vida em sonhos.
São sete meses de inseguranças e medos até que as primeiras pessoas começam a acordar. Algumas morrem durante o sono; outras começam a ter comportamentos estranhos; outras, ainda, lembram-se de sonhos que se confundem com premonições.
Não sei se é o tema mais adequado para se ler durante uma pandemia. Mas não deixa de ser impressionante e muito instigante.
Para fechar, lembro-me de ter comentado, na resenha do primeiro livro, que ele me remetia ao Saramago, que costuma inserir nas histórias eventos pouco prováveis, mas não impossíveis, e desdobrar dramas individuais a partir disso.
Pois não é que no final do volume tem uma entrevista ótima com a autora, em que ela conta que Saramago é uma das suas principais referências na literatura, e que ela teve a ideia de escrever seu primeiro romance depois de ler o fabuloso e inesquecível “Ensaio sobre a cegueira”? Adorei!
Recomendo muito.
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