Achei o livro “Payoff: The Hidden Logic That Shapes Our Motivations” (tradução livre: “Recompensa: a lógica escondida que molda nossas motivações”) de Dan Ariely nos usados da Amazon e confesso que meu interesse inicial foi por causa da informação de que o volume era ilustrado (pensando aqui em fazer algo assim no meu próximo livro).
Sou fã do Dan Ariely há muito tempo e até já conhecia parte do conteúdo por conta de outros livros que li dele como Positivamente Irracional. Mas Payoff é de uma coleção inspirada em palestras do TED que aprofunda um pouco mais o falado na apresentação. E o tema da vez é motivação, principalmente no trabalho (prestem atenção, gestores!).
Dan começa falando sobre a definição de motivação:
“O ato ou processo de dar a alguém razões (ou motivos) para fazer alguma coisa” ou
“A condição de estar ansioso ou disposto a fazer algo”.
Ele explica que essa condição é fundamental para que as pessoas sejam mais comprometidas e produtivas no trabalho.
Essa disposição para se engajar na execução de um trabalho depende de muitas e subjetivas variáveis: dinheiro, realização, felicidade, propósito, senso de progresso, preocupação com os outros, orgulho e mais um monte de outros elementos que vão variar de pessoa para pessoa.
Uma coisa que ele chama atenção é que muitos desses elementos não têm a ver com alegria ou bons sentimentos. Muitas pessoas são motivadas a fazer coisas difíceis e desagradáveis, às vezes até dolorosas. Mas por quê?
Sofrer sim, mas com sentido
Aí ele compartilha uma história pessoal: estava jantando com amigos quando recebeu o chamado de uma pessoa desconhecida (que conseguiu seu número com um amigo em comum) pedindo-lhe para ir imediatamente até um hospital. Ele foi, e descobriu que a mulher que ligou tinha dois filhos que haviam sofrido queimaduras gravíssimas em um acidente. Ela estava desorientada e queria a ajuda do Dan para saber como proceder para tornar o sofrimento dos filhos menos intenso. Mas por que ele?
Bem, é de conhecimento púbico (pelos seus livros) que o autor sofreu queimaduras gravíssimas quando era adolescente e passou nada menos que 3 anos inteiros no hospital sofrendo dores horríveis enquanto seu corpo se recuperava. Até hoje ele tem sequelas, mas consegue levar uma vida normal e produtiva. Era essa a esperança que a mulher queria dar aos filhos.
Para Dan, reviver o passado e assistir à verdadeira tortura que era a troca de curativos foi algo muito pesado e difícil para ele. Mas o sentimento de que isso tinha um significado e podia fazer realmente diferença na vida de alguém empurrou-o à ação.
E aqui ele deixa clara a diferença entre felicidade e significado. As coisas que fazemos por terem um sentido não necessariamente são as que nos fazem felizes. Mas dão a sensação de fazer parte de algo maior que nós mesmos, o que faz valer o sacrifício.
Como destruir uma equipe brilhante
No livro, ele conta também a história de uma empresa onde ele era consultor e viu toda a equipe de engenheiros especializados perderem totalmente a motivação para o trabalho (mesmo com excelentes salários) quando o projeto ao qual eles estavam se dedicando havia anos, sacrificando finais de semana e férias para construírem o primeiro protótipo tinha sido simplesmente abandonado pela empresa. Os gestores fizeram uma análise e acharam melhor cancelar aquela linha de desenvolvimento.
Todos continuaram com seus empregos, mas a que preço emocional? Dan questiona: se os líderes tivessem realmente preocupados com a motivação da equipe, não teriam pensado numa saída menos traumática tipo, sei lá, para eles pensarem em como a tecnologia poderia ser usada em outros projetos da empresa, sem jogar no lixo todo o trabalho já feito? Ou pedir para eles fazerem uma apresentação resumindo toda a jornada para que os gestores tivessem uma ideia mais abrangente sobre o que estavam decidindo? Ou simplesmente perguntar para aquele grupo de profissionais inteligentíssimos se eles tinham alguma ideia melhor?
De nada adianta investir milhões em cursos, palestras e treinamentos se quando a coisa aperta, toda a dedicação é simplesmente desconsiderada como se não tivesse valido de nada (ou pior; o mais comum é que as pessoas sejam simplesmente descartadas). Ninguém nasceu ontem, ainda mais se estamos falando de trabalhadores qualificados. Depois vem aquele desespero para conseguir os profissionais especializados necessários para o próximo projeto. Complicado, não?
Dan mostra várias pesquisas e experimentos que indicam que as pessoas são mais produtivas se se sentem acolhidas e valorizadas. Quando isso não acontece, o jeito é se limitar a cumprir tabela e não fazer nada de errado para garantir o salário; nada mais que isso. A empresa seleciona, contrata e mantém a mediocridade por sua própria escolha e consciência.
Customizando o ambiente de trabalho
Ariely mostra também como a gente valoriza muito mais aquilo que nos custou muito esforço. O exemplo é a experiência de comprar um móvel na IKEA e montá-lo com as próprias mãos; a peça acaba recebendo mais atenção que as outras.
Em qualquer trabalho é assim; se foi a gente que fez, se exigiu empenho e dedicação, a gente acha que vale muito mais (mesmo que o resultado final tenha ficado uma porcaria).
O pior é que essa distorção de percepção é tão profunda que a gente não percebe e acaba pensando que os outros enxergam aquele objeto da mesma maneira que nós (claro, se fui eu que escrevi o livro, ele é ótimo. Se não vende tanto é porque as pessoas não percebem ou têm inveja — meu desenho é uma obra de arte, só o mercado é que ainda não descobriu — e por aí vai…).
Então, uma das conclusões é que um ambiente de trabalho que possa ser customizado e pareça um pouco como tendo sido “construído” pela própria pessoa pode aumentar a produtividade e o senso de pertencimento. Um porta-retratos, um plantinha ou um tom art podem fazer mais do que se imagina para a pessoa se sentir parte do lugar onde está trabalhando.
E o dinheiro?
Pois é, a questão do dinheiro.
Como Dan disse lá no começo, a equação que define a motivação tem muitas e subjetivas variáveis. Uma delas é o dinheiro, claro. Se tudo estiver maravilhoso, mas a pessoa não estiver conseguindo pagar as contas, as coisas desandam. Então a questão é: dinheiro é importante sim, mas o peso vai depender também das outras variáveis (que são diferentes para cada pessoa). Mas uma das descobertas das pesquisas é que bônus de incentivo e produtividade não produzem os melhores resultados automaticamente, justamente porque dinheiro não é uma variável isolada das outras.
As medidas intangíveis importantes para a motivação não são sempre facilmente mensuráveis; aliás, quando se tenta colocar tudo em números, aí é que se corre o risco de se perder os melhores talentos.
O autor deu seu próprio exemplo quando era professor do MIT: tudo era minimamente calculado para compor sua produtividade. Mas, para ganhar mais pontos e ser considerado mais produtivo, ele tinha que diminuir as horas de aula, o que era um sofrimento, pois ele adorava (em algumas universidades é o contrário).
O ponto é que não tem como medir o quanto ele contribui com a marca e o cumprimento da missão da instituição, o quanto os alunos confiavam nele, o quanto ele transformou a vida de pessoas que passaram por suas aulas e definiram suas carreiras. Um jeito fácil de matar motivação é simplesmente colocar um preço na confiança e na boa-vontade da pessoa com relação ao seu trabalho. E resumir tudo a números e índices.
Motivação também depende de confiança, de conexão e do sentido que a pessoa vê na empreitada, sendo que essas questões são subjetivas e variam para cada um.
Enfim, Dan conclui que o assunto é mais complexo do que parece e não existem soluções simples e mágicas. Mas perguntar para os envolvidos como que eles se sentem a respeito pode ajudar, e muito.
Sou obrigada a concordar.
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Para quem tiver interesse, a palestra no TED (o livro extrapolou em muito, mas muito mesmo) está neste link aqui.
O livro não tem tradução para o português (novidade…), mas quem quiser se arriscar no inglês, recomendo muito. Para comprar na Amazon brasileira, é só clicar aqui.
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