EU, ADA

Ada Lovelace é uma personagem ímpar na história, e mais ímpar ainda na história das mulheres nas ciências.

Eu conhecia um pouco da história dela e depois pesquisei mais para fazermos um episódio sobre a moça no canal do Youtube Berlim Tech Talks (clique aqui para assistir). Por isso, quando estava flanando numa livraria e vi “I, Ada”, de Julia Gray, publicada esse ano, não tive dúvida em levar o volume para casa. 

A obra conta a história em primeira pessoa; começa com a pequena Ada, aos cinco anos de idade, brincando no jardim. A trama se desenrola até os 19 anos da moça e a pesquisa extensa da autora preenche algumas lacunas de informação que eu ainda não tinha.

PAI FAMOSO E PROBLEMÁTICO

A relação de Ada com a mãe é bem tensa, pelo menos no início. Annabella, mãe de Ada, era descendente de nobres e riquíssima.

Muito jovem, encantou-se por Lord Byron, até hoje considerado um dos maiores poetas britânicos da história. Depois de muita sedução por parte do cavalheiro e três insistentes pedidos de casamento, acabou dando o seu sim ao mega-super-master-famoso escritor.

Só que o sujeito se revelou um perfeito boy lixo; tinha um monte de amantes, bebia e usava drogas, era bipolar, grosso e gastava dinheiro como se não houvesse amanhã. Temendo pela integridade física dela e da filha, fugiu com o bebê para a casa dos pais apenas 6 semanas depois de dar à luz.

Ada só vem a saber da verdadeira história depois de adulta; até lá, ela vive uma infância e adolescência conturbadas, pois todos na alta sociedade londrina sabiam quem ela era. A menina era tratada como o fruto de um escândalo, a ponto de ser apontada na rua como mau exemplo para crianças. 

ADA E A MÃE 

A mãe teve um papel essencial na formação dessa moça que fez história; contratou professores e tutores para que ela tivesse a melhor formação intelectual possível, já que era vetado às mulheres frequentar universidades (?!).

Annabella preocupava-se muito com o tema educação, a ponto de visitar duas das referências em pedagogia na época, os professores suíços Johann Pestalozzi e Philip Fellenberg. Ela conheceu escolas experimentais e chegou a construir e patrocinar algumas na Inglaterra, sob orientação deles.

Uma das coisas que a mãe de Ada adorava era a tecnologia. Recém entrada na primeira revolução industrial, Londres fervia com exposições e inventores.

Ada lembra de ter visitado uma feira de ciências na National Gallerie, onde estava exposto um tear de Joseph Jacquard. A tutora dela, Mary Montgomery, explicou o princípio de funcionamento, em que os desenhos eram reproduzidos no tecido por meio de cartões perfurados onde a linha passava obedecendo aos padrões dos furos.

Ada ficou muito impressionada com a genialidade e a simplicidade da coisa; e foram justamente esses cartões que inspiraram o insight que ela teve, anos depois, para a máquina analítica de Charles Babbage, que a deixou famosa.

ESTUDAR PARA QUÊ?

Bem, a história vai se passando com Ada trafegando por todas as áreas de conhecimento: línguas, música, literatura, poesia, matemática, lógica e tudo mais pela qual ela se interessasse.  A mãe sempre colocava os melhores professores disponíveis, mas era um pouco contraditória. 

Annabella dizia que era importante saber o máximo possível do mundo em que vivemos por vários motivos: para saber se o que estamos fazendo é realmente o certo; para tentar fazer diferença na comunidade onde se vive, e como um desafio pessoal também. Ada concordava, mas queria ter uma profissão.

Nesse ponto, a mãe era irredutível: a moça deveria se casar e ter filhos. Essa era a missão de uma mulher com o berço dela. E, por Ada ser nobre, o marido deveria ser cuidadosamente selecionado para estar à sua altura.

A moça era um pouco rebelde, mas bem pouco mesmo. Acabava sempre se submetendo à vontade da mãe sem muita dificuldade (é claro que ela se revoltava um pouco, mas apenas o que seria esperado para a idade e situação).

Ada Byron tinha a saúde frágil e por várias vezes ficou acamada por longos períodos de tempo, impedida de estudar. Imagina só se ela pudesse ter frequentado uma universidade em boas condições de saúde?

CHARLES BABBAGE

Num dos compromissos sociais arranjados pela mãe e tutoras para arrumar um marido, Ada acabou conhecendo Charles Babbage. Foi identificação instantânea; tornaram-se grandes amigos; ela, a mãe e a tutora passaram a frequentar saraus na casa dele e conheceram a máquina diferencial, uma versão mecânica de uma máquina de calcular. Fascinadas, voltaram outras vezes para conhecer também sua versão mais sofisticada e poderosa: a máquina analítica.

Babbage, como todo empreendedor, teve problemas com o desenvolvimento da tecnologia. Conseguiu alguns investidores anjo, mas o dinheiro sempre acabava antes da máquina estar pronta para ser comercializada. Ele lutou até o fim da vida, sem sucesso.

O inventor não tinha muito tato e verniz social para tratar desses temas; Ada até ofereceu seu talento diplomático para fazer o trabalho e tentar conseguir mais financiamento, mas ele nunca aceitou. Mais uma digressão: já pensou se ele tivesse aceitado e tivesse conseguido finalmente terminar a máquina?

A TRADUÇÃO QUE MUDOU O MUNDO

Numa das tentativas de Babbage para conseguir parceiros, ele conseguiu que um engenheiro italiano chamado Luigi Menabrea escrevesse um artigo em francês para divulgar a ideia. Babbage pediu à Ada, que era fluente em francês, para fazer a tradução e publicá-lo numa revista inglesa.

A moça se empolgou e começou a inserir notas de rodapés para explicar com mais clareza os exemplos citados no artigo, a tal ponto que os rodapés acabaram tendo mais páginas do que o artigo original.

Pois numa dessas notas explicativas, referente a um parágrafo em que o autor afirmava que a máquina analítica era capaz de encadear comandos e reaproveitar resultados anteriores em uma sequência de operações, Ada escreveu a primeira versão do que se conhece atualmente pelo nome de algoritmo: uma maneira estruturada de fornecer instruções a uma máquina.

O formato não era diferente do que se usa hoje em dia; a estrutura básica estava toda lá; ou seja, ela inventou o conceito e a forma do algoritmo no meio de um trabalho de tradução.

VIDA CURTA, PORÉM INTENSA

Ada acabou se casando com o marido que a mãe escolheu e parecia se dar bem com ele, um cavalheiro chamado William King. O título de nobreza Lovelace foi arranjado depois, pois a mãe dele, um “anjo” de pessoa, não queria outra Lady King na família.

Mesmo depois de três filhos, Ada continuou tendo aulas de cálculo avançado e lógica para desenvolver mais suas habilidades. No final, a moça morreu de câncer de mama aos 36 anos, mesma idade em que seu pai deixou o mundo.

Ela nasceu e cresceu como Lady Ada Byron e é lembrada até hoje como Lady Ada Lovelace. Tinha absolutamente tudo para ser mais uma princesinha chata de contos de fadas e acabou revolucionando a história da computação.

Como não amar você, Ada?

NOTA: Descobri que o famoso retrato usado na capa do livro (fiz minha própria versão aqui) está no Science Museum em Londres. Já foi para a minha lista. Prometo que conto tudo quando for!

2 Responses

  1. Valdelúcia Grinevicius
    Responder
    11 novembro 2020 at 8:52 pm

    “Como não amar você, Ada?” são as palavras de #LigiaFascioni que eu repito aqui com uma modificação necessária:
    Como não amar vocês, Ada e Ligia?

    • 12 novembro 2020 at 5:42 am

      Sua linda! Imagina estar junto com a Ada no seu coração… você também está no meu! 🥰

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